domingo, 21 de fevereiro de 2010

Short Story 5 - Um Pouco de Sorte Ajuda

Projeto Verbete – verbete da vez: memória

Quem me conhece sabe, eu sou um cara um tanto desligado. Não tenho boa memória, saio esquecendo as coisas fácil, fácil. Já tentei até tomar uma tal de lecitina de soja, que tinha gosto de suco de uva estragado, que disseram que era bom pra memória. Não adiantou.

Quinta-feira da semana passada, dia 11 de fevereiro, juntamo-nos alguns aqui da Puvis e fomos ao McDonald’s aqui perto. Já era bem tarde, mais de 11 da noite. Mas bateu a fome, fazer o que?

Enfim, chegando lá, todos faziam seus pedidos. Eu estava no borne de auto-atendimento, aquele que você escolhe seu pedido na tela, põe o cartão, a senha e pronto; vai pegar o pedido no balcão. Esse borne tem uma coisa estranha: assim que você inicia seu pedido ele já pede pra botar seu cartão na fenda do lado. Não sei por que, mas mesmo que você só queira olhar os preços dos sanduíches você tem que botar o cartão. Então assim fiz. E comecei a fazer o pedido.

Queria o tal do Premio, um novo sanduíche do McDonald’s que tem parmesão, mas no borne dizia que estava indisponível. Tentei de novo, nada. Cancelei o pedido e fui ao balcão perguntar pra atendente se estava mesmo indisponível, e não estava. Pedi-lo então, paguei com dinheiro e subi as escadas pra comer com os outros que já estavam lá.

Voltamos pra casa mais de meia-noite. Felizes, contentes e de barriga cheia. Fui dormir, porque no dia seguinte tinha de acordar às 6 da manhã pra pegar um trem as 7 e meia pra Paris.

Acordei. Tomei banho, tomei um iogurte, escovei os dentes, botei a mochila nas costas, passagens no bolso e saí pra parada de tramway. Ia pegar um tramway direto pra estação de trem. Eram 7 da manhã.

Quando entrei no tramway abri a carteira pra pegar o cartão de transporte pra validar na maquininha. Foi quando percebi: cadê meu cartão de crédito? Na mesma hora me veio a imagem de eu colocando o cartão no borne do McDonald’s e cancelando o pedido, deixando o cartão enfiado na máquina. E agora? To saindo da cidade em menos de meia hora e só volto daqui a 4 dias! Aí começa a sorte à qual o título se refere.

Lembrei que essa linha de tramway passa na Charpennes, que é a parada do McDonald’s. Era só eu descer na parada, pegar meu cartão no McDonald’s e torcer pro próximo tramway não demorar muito. Mas eram 7 da manhã! Nada está aberto a essa hora. Mas era meu dia de sorte.

Desci na Charpennes, fui ao McDonald’s e – sim! – tinha alguém lá dentro já! Estava aberto. Há mais ou menos uma semana haviam instalado nesta loja do McDonald’s um McCafé, e, por isso, ele começou a abrir mais cedo: às 7! Entrei e perguntei pra moça se alguém havia encontrado um cartão de crédito nos bornes. Enquanto ela foi procurar nos fundos da loja, eu dei uma olhada no borne, e, sim, estava lá o garoto! Enfiado na maquininha do jeito exato que eu o havia deixado na noite anterior! Catei e saí correndo pra pegar o próximo tramway que já estava passando.

Cheguei à estação a tempo, entrei no trem e dormi durante todas as duas horas de viagem.

*Ouvindo – ‘Bobby McFerrin – Simple Pleasures’

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Short Story 4 – Camille no Louvre

Era o dia 12 de fevereiro de 2010. Ou melhor, era a noite de 12 de fevereiro de 2010. Tinha chegado na manhã deste mesmo dia à Paris para assistir a um show para o qual já havia há tempos comprado o ingresso, por 14 euros. O show era da cantora francesa Camille, uma sensação da música experimental francesa que também estourou com alguns pop hits.O show era no auditório do Museu do Louvre. Pois lá fomos.

Estávamos eu, Marcel - meu hospedeiro, como de costume – a Juliana e o Flávio. Eles não tinham ainda o ingresso, mas como também gostam da música da Camille, fomos à bilheteria perguntar se ainda havia ingressos à venda. Quando perguntamos sobre o ‘show da Camille’ a mulher da bilheteria já interrompeu dizendo que não era um ‘show’, era uma exibição de filmes mudos franceses da década de 1910 para os quais a Camille e o DJ Thy tinham adaptado uma trilha sonora, Camille não cantaria na noite. Bom, né?

E tem mais! Tinha ingresso disponível. Por 5 euros. Quase 3 vezes menos do que eu paguei. Mas tudo bem.

Aproveitamos que ainda tínhamos mais de uma hora antes do início do “show”, entramos no Louvre pra dar uma olhada. Todo mundo sabe que entrar no Louvre pra dar uma olhada significa: “Ver a Monalisa e sair”. Pois foi o que fizemos. Depois de brigar com o exército de turistas chineses por um lugar na frente do minúsculo quadro de Leonardo da Vinci voltamos ao auditório para comprar os ingressos e assistir o “show”.

Entramos, sentamo-nos e esperamos. No palco uma tela para projeção e, no canto esquerdo, uma mesa de DJ. As luzes se apagaram e a tela branca no palco se iluminou. Do canto esquerdo da cortina surge um cidadão com estatura de pigmeu, de meias brancas – sem sapatos -, barra da calça jeans dentro das meias e um chapéu branco que parecia um algodão doce gigante. Gigante, eu disse. Era o DJ Thy.

Começa o primeiro filme: ‘Madame a des Envies’. Já de cara fomos pegos de surpresa pela voz da Camille falando o título com uma entonação estranha e traduzido pro português! “A mocinha tá com vontade’. Uma tradução um pouco esquisita, mas tudo bem.

Ao longo do filme - um curta que mostrava a saga de um homem com a esposa grávida que tinha os desejos mais bizarros - ficamos novamente surpresos com a aparição da voz de Elza Soares, cantando sambas clássicos como ‘Na Cadência do Samba’. A suspeita: ‘Ih! Tem dedo de brasileiro nesse negócio’.

O próximo filme mostrava uma greve de babás, ou enfermeiras que cuidavam de crianças. Algo assim. Pareceu-me que o recurso principal dos filmes daquela época eram os tombos. O policial, correndo atrás das grevistas atropela mesas de bar na calçada causando uma destruição total, pernas pra cima, copos e garrafas se quebrando no chão. Em todos os filmes, sem exceção, era dada ênfase aos tombos catastróficos.

Outro assunto recorrente nos filmes era o feminismo. Não sei se isso é da época ou se os filmes foram escolhidos propositalmente com esse tema. Um dos filmes se chamava ‘La Femme Doit Voter’, isto é, ‘A mulher deve votar’. Outro mostrava uma mulher que conseguia um emprego de motorista, e saia pela cidade com seu calhambeque atropelando carrinhos de bebê. Novamente vários tombos catastróficos eram encenados.

Mas subitamente o centro de nossas atenções voltou-se às traduções do título de cada curta. Quando a tela mostrou o título em francês: “La Femme Doit Suivre Son Mari”, que normalmente seria traduzido como “A mulher deve seguir seu marido”, a voz da Camille surge novamente traduzindo: “A mulher deve seguir o seu macho”. O auditório todo quieto. Nós quatro explodimos na risada.

Nesse curta uma mulher saía de casa para fazer compras enquanto seu marido cochilava na mesa de almoço. Quando ele acordava, ela estava de volta, cheia de roupas e acessórios novos. Segue uma perseguição do marido atrás da esposa que, como não podia deixar de ser, destrói metade das coisas pelo caminho. Tombos e mais tombos.

Não sei bem o motivo, mas o fato de que só nós estávamos entendendo as traduções tornava tudo muito mais engraçado.

Próximo curta: ‘Une Femme Vraiment Bien’, em tradução normal : ‘Uma mulher muito bonita’. A voz da Camille novamente surge traduzindo: “Uma gostosa... muito gostosa... de parar quarteirão”. Explosão de riso de nós quatro, acompanhada por alguns olhares curiosos dos outros expectadores.

Uma mulher andava pelas ruas com um imenso vestido preto, usando um espartilho que a deixava parecendo uma ampulheta. Por onde ela passava distrai os homens e – olha que surpresa! – causa acidentes e tombos e destruição. Os bons dublês deviam ser os maiores astros de cinema nessa época.

No próximo curta, que já mencionei antes, um anúncio de jornal aparecia solicitando um motorista particular. A voz da Camille novamente anunciava: “Mulher no volante, perigo constante”. Uma mulher pegava o emprego de motorista e, pra surpresa de todos, saía destruindo a cidade toda.

Em outro momento de um outro curta um homem aparecia falando, obviamente sem som, mas seus lábio mexiam. Seu rosto aparecia em close, ele olhava pra câmera enquanto fazia seu monólogo. Tinha a aparência típica francesa tradicional, bigodinho fininho e fazendo uma curva, cabelo penteado e lambido pro lado. Eis que ele era dublado por uma voz acelerada, bem aguda, com sotaque carioca falando de todas as suas dificuldades como transexual. “Eu sou um travesti, sou uma bichinha... é muito difícil ser um travesti.”

No final da apresentação, a Camille surge do fundo do auditório e vai ao palco cantar “Água de Beber” com o DJ. Foi quando a gente percebeu que o DJ – sim, era ele o autor da folia! – era brasileiro!

Coloque um brasileiro com chapéu de algodão doce pra apresentar no auditório do Museu do Louvre pra ver no que dá. Isso. O cidadão só zoou os franceses o tempo todo, na cara deles. E eles amaram!

Mas, brincadeiras à parte, a apresentação foi muito boa. O trabalho dos dois juntos estava muito criativo. O tal do DJ Thy zoou, mas com criatividade, formando um belo trabalho junto com a Camille.

*Ouvindo – ‘Dream Theater – Six Degrees Of Inner Turbulence’