sábado, 31 de outubro de 2009

Genebra - Outubro de 2009

Comecemos pelo momento que a decidimos que viajaríamos. Era uma terça-feira, dia 27 de outubro, de noite. O Lucas entrou no meu quarto e disse, sem rodeios: “Vamos pra Genebra depois de amanhã? Todo mundo vai!” e eu, sem titubear respondi: “Sim!”. Pronto. Assim começou a viagem.

Iríamos eu, o Lucas, o Neil, o Thales, o Pedro, a Thamise, a Maria Fernanda e a Carolina. Apesar de ter sido uma decisão repentina, já estava tudo certo. Partiríamos no trem das 6:51 da manhã e voltaríamos no último trem do dia, às 20:44.

Passemos agora a quarta-feira. Passagens já compradas, de noite a Thamise me mostrou um mapa de Genebra que uma amiga dela havia lhe dado. O relógio mostrava algo por volta das 11 da noite quando resolvi pegar esse mapa pra tentar conhecer a cidade e planejar algum trajeto. Genebra é uma cidade pequena, de um ponto turístico a outro não andaríamos mais do que 1,5km. No fim das contas, terminei de olhar o mapa a 1:15 da madrugada. Tendo que acordar às 5:00 da manhã no dia seguinte, desabei na cama num sono só.

Pí, pí, pí!! O despertador do celular tocou depois de insuficientes 3 horas e meia de sono. Por alguns segundos me senti cansado e totalmente incapaz de levantar o braço e acender a luz, mas quando me veio na cabeça “daqui a pouco estarei na Suíça!”, levantei sem sono e com total disposição. Saí do quarto com a toalha na mão chutando as portas dos que ainda não haviam acordado.

Quando eram 6:10 estávamos todos prontos, dentro do tramway indo para a estação Part-Dieu. O trem partiu pontualmente às 6:51. Às 8:37 desembarcávamos na estação Cornavin em Genebra. Trocamos nosso dinheiro, compramos alguns francos suíços. Agora começa o passeio.

Pegamos a saída noroeste da estação, entrando na Rue Montbrillant em direção norte para irmos ao palácio da ONU, primeira parada do tour. Todos animados e com máquinas fotográficas em mãos registrando a euforia do início da viagem. Uma caminhada rápida já revelou características diferentes. Por vezes com traços antigos, detalhes rebuscados nas fachadas e nos telhados, mas mais bem conservada que a arquitetura de Lyon. Enquanto aqui em Lyon temos a impressão de estarmos andando em meio a construções antigas que estão no mesmo lugar a centenas de anos, em Genebra temos a impressão de estarmos andando em meio a construções antigas sem a ação das centenas de anos sobre elas, como se tivéssemos sido transportados nós mesmos para centenas de anos atrás, onde tudo isso não tinha aparência de antigo.

Nesta parte da cidade, mais nova, muitas construções são realmente modernas, espelhadas, curvas, diagonais... No melhor estilo ‘arquiteto do século 21’.

Outro aspecto marcante que ficou evidente já neste primeiro trecho de caminhada foi a elevadíssima renda da população suíça. Vou deixar o festival de carros absurdos que desfilavam pelas ruas por conta da imaginação dos que se interessarem. Diferente do Brasil ou mesmo aqui de Lyon, em Genebra quando víamos um carro caro, esportivo, luxuoso, não estava sendo guiado por um jovem querendo chamar atenção dos outros. Em Genebra, quando passava do nosso lado uma Mercedes ou um Jaguar daqueles de 6 metros de comprimento, atrás do volante estava um tiozão, cabelos brancos, paletó e gravata, óculos escuros; interessado em nada além do conforto que ele merece e pode comprar.

Chegando ao fim da Rue Montbrillant, pegamos um pequeno trecho da Avenue de France. Depois de atravessar a Places dês Nations, chegamos à ONU. Nenhuma emoção especial. Atrás de um alto portão fechado um corredor ladeado por dezenas de bandeiras de todo o mundo. Um muro onde se lia ‘Nations Unies – United Nations’. E só.

Saindo da ONU continuamos agora em direção leste pela Avenue de la Paix. Até o vizinho da ONU, o Jardim Botânico; este sim, nos ofereceu algo de especial. No fim de outubro, em pleno outono. Não podíamos ter escolhido época melhor para visitar o Jardim. Um festival de cores formava um caos natural perfeitamente harmonioso. Estava frio e muito úmido, fazendo a grama ficar muito molhada, como se estivesse chovendo. Sapatos molhados e câmeras fotográficas mais cheias, saímos do jardim no cruzamento entre a Avenue de la Paix e a Rue Lausanne. Deste ponto bem ao norte da cidade, podíamos ver o famoso Jet d’Eau, a dois quilômetros de distância, mesmo com vários prédios no meio do caminho, o jato se destacava jorrando água a 140 metros de altura. Continuamos em direção leste, cruzando a Rue Lausanne e entrando no Parc Barton.

No Parc Barton chegamos pela primeira vez à beira do Lac Léman. De um lado do para-peito o imenso lago cristalino repleto de cisnes e gaivotas, do outro lado vastos gramados e palacetes dos quais não se sabe a finalidade, mas não podiam deixar de estarem lá. Uma quinta-feira, às 10:00 da manhã e víamos muita gente correndo no parque, andando de bicicleta, lendo um jornal na beira do lago. Não sei como funcionam as cargas horárias dos empregos na Suíça, mas sei que dá certo, e a qualidade de vida é alta.

Depois de contornar parte da borda do parque, chegamos à parada do barco. O barco, em Genebra, faz parte do transporte público da cidade. No lugar que ele pára, tem uma maquina como aquelas que achamos em cada parada de tramway ou ônibus. Compramos um ticket válido por todo o dia, para toda a rede de transporte: ônibus, metro, tramway e barco. Enquanto estávamos comprando os tickets, chegou um senhor, com seus 60 anos, lendo as informações na máquina de comprar tickets. Eu me desculpei por estar na frente da máquina e ele, percebendo que falávamos outra língua, respondeu: “It’s OK”. Achei que fosse também um turista, mas depois o ouvi falando algo em francês com o típico sotaque suíço.

O sotaque suíço. Esse merece um parágrafo antes de voltarmos para o tiozinho da parada de barco. Antes de irmos, o Jean-Luc, conhecido e barrigudo guarda noturno da Puvis, nos tinha dito, fazendo piada, do sotaque dos suíços. Imagine um francês falando francês, como nos filmes. Esse é o sotaque da França. Tá, agora imagine um baiano falando francês – esse é o sotaque suíço. Isso! Eles falam devagaaar, alongando as vogais das sílabas tôôônicas. É exatamente um baiano falando francês. Bom, voltemos ao tiozinho.

Esperando o barco, com os tickets já comprados, eu cheguei e perguntei para o senhor, só pra ver se ele dava papo: “Você é francês?”. O tiozinho, muito contente que nós todos falávamos francês, começou a conversar e nos mostrar os lugares legais da cidade e contar um pouco da história da cidade, até chegar à parada que ele tinha que descer. Muito simpático, o tio suíço.

Bom pra situar novamente o passeio no mapa, descemos do barco do outro lado do lago, ao norte do Parc des Eaux-Vives, no cruzamento entre a Quai Gustave Ador e a Rampe de Cologny, num lugar que eles chamam de ‘Genêve Plage’. Continuamos agora em direção sudoeste pela Quai Gustave Ador. Entramos no Parc dês Eaux-Vives, que é também um hotel e um restaurante. A imponência do hotel, com um vasto campo gramado na frente, inspira dinheiro, luxo e uma limousine Mercedes preta com vidros fumês. Tiramos umas fotos e continuamos o passeio.

Ainda na mesma Quai Gustave Ador, continuamos até chegar ao Jet d’Eau. Um jato colossal lançando ao ar 500 litros de água por segundo a uma velocidade de 190km/h até uma altura de 140 metros utilizando duas bombas de 500kW de potência cada a uma tensão de 2400V. Papo de engenheiro, mas como éramos 7 estudantes de engenharia visitando Genebra e sei que pelo menos dois engenheiros vão ler este texto, acho que estas informações não são fora de contexto.

Neste mesmo lugar da orla do Lago Léman, víamos muita gente sentada na beira do lago, algumas com sua família, um cidadão fumando um charuto, outro comendo seu almoço, outro repartindo o seu com os cisnes e gaivotas que brigavam disputando os pedaços de pão.

Neste ponto do passeio já estávamos todos famintos! Continuamos então por mais alguns passos na Quai Gustave Ador viramos a esquerda na Rue Pièrre Fatio, depois à direita no balão – Rond-Point de Rive – e lá estava ele: um magnífico e brilhante McDonald’s. Lá dentro nos deparamos com outra característica marcante de Genebra. Como o tiozinho do barco já nos tinha dito, Genebra é uma cidade extremamente internacional. No McDonald’s víamos grupos de jovens, com 16 ou 17 anos, conversando fluentemente em francês, e mudavam repentinamente para o inglês, e voltavam para o francês e encontravam um outro amigo com o qual falavam em inglês. Diferente da França, em Genebra todos falam inglês como segunda língua, pelo menos. Geralmente falam também alemão e/ou italiano, as outras duas línguas oficiais do país.

Enfim, mandamos um belo lanche, nos impressionamos com a máquina de secar mãos do banheiro e continuamos o passeio.

Continuamos em direção oeste na Rue de Rive, pegamos a segunda rua à esquerda - Rue de La Fontaine - subindo, em direção sudoeste, passando pela Taverne de La Madeleine, atravessando a Rue de l’Evêché, passando em frente ao Museu Internacional da Reforma Protestante e chegando, enfim à catedral Saint-Pièrre. Seis imensas colunas se destacavam na fachada da catedral. Em seu interior o estilo neutro chamava atenção. Paredes e colunas cinzas, sem vitrais ou afrescos coloridos ou imagens douradas. As colunas internas parecem um conjunto de cilindros agrupados paralelamente, diferente das comuns colunas simples cilíndricas com as quais estamos acostumados. No altar nada de imagens douradas e concentração de detalhes. Para a iluminação, dois lustres simples e circulares ao longo do corredor central. Se destacava apenas o imenso órgão no fundo da igreja, acima da grande porta principal. O estilo diferente, apesar de simples, é muito bonito e inspira um templo religioso austero, despoluído e menos luxuoso.

Enquanto descansávamos ao lado da catedral, eu, Neil, Thales, Pedro, Carolina, Maria Fernanda e Thamise, esperávamos o Lucas, que tinha sumido. Quando eu, a Thamise e a Carolina resolvemos ir à frente da catedral esperá-lo, ele acabava de sair, nos dizendo que tinha subido na torre da igreja e que tínhamos que ir lá. Depois de subir - eu e o Lucas contamos - 147 degraus de uma escada helicoidal quase vertical com um diâmetro de não mais de 1,5m, nossos ombros encostando nas paredes e na coluna central da escada, chegamos ao topo da Torre Norte da igreja. Uma vista panorâmica completa da cidade nos foi apresentada bem como os Alpes Suíços tão longínquos quanto colossais, ao fundo da paisagem.

Saindo da catedral, pegamos a direção sudoeste na Rue Du Perron seguindo reto passando pelo Hôtel de Ville e descendo pela Rampe de La Treille até chegar à Place de Neuve de frente ao Grand Thêatre e ao conservatório de música inaugurado em 1835. Entramos então nos domínios da Universidade velha de Genebra, no Parc des Bastions onde tem o Monumento Internacional da Reforma Protestante - o Muro dos Reformadores - com as imagens de Lutero e Calvino e alguns outros que não sei quem são. Mas era um muro grande, branco e bonito.

O Parc des Bastions é muito bonito, apesar de pequeno. Logo na entrada vimos uma área peculiar, destinada a jogos de xadrez e damas. Tabuleiros pintados no chão, de 5x5 metros, ou algo próximo a isso, com peças de xadrez de meio metro de altura ficam à disposição de quem os quiser utilizar. Em volta de cada um dos tabuleiros vê-se um pequeno aglomerado de terceira idade compenetrados no jogo de xadrez de dois outros representantes da ‘melhor idade’. Os jogos não são exclusivos para os mais velhos, mas este simplesmente é um público que parece ser naturalmente mais atraído por essa atividade.

Cada um dos espectadores ou jogadores é uma caricatura. Um com uma expressão cansada, muitas rugas e um cachimbo pendendo da boca, uma baforada de fumaça aqui e ali. Um japonês com cara de Yakuza fumando um cigarro enquanto pensa na sua estratégia para destruir o adversário num xeque-mate relâmpago. E por aí vai.

Neste parque sentamos um pouco para descansar. Checando o celular casualmente para procurar alguma rede Wi-Fi gratuita por perto, para nossa surpresa, achamos! O nome da rede: “Ville de Genève”, ou seja “Cidade de Genebra”. É uma rede completamente gratuita e rápida que, penso eu, está disponível em lugares como parques ou pontos turísticos mais freqüentados. Uma rede de internet fornecida pela cidade gratuita para todas! A evolução tecnológica que todo engenheiro eletricista, de redes ou de telecomunicações sempre sonhou.

Pronto, o itinerário que havíamos planejado se acabou, e ainda nos restavam 3 horas de passeio! Genebra é uma cidade fantástica para se fazer um dia de turismo, você conhece os principais pontos a pé com sobra de tempo. Claro que ainda há muito mais a conhecer, mas dá pra conhecer muita coisa sem precisar pagar um albergue ou um hotel.

Resolvemos então sair andando pelas ruas próximas procurando coisas pra comprar, ver ou fazer. Fomos andando em direção norte, na Rue de La Corraterie. Por esta rua passa uma linha de tramway e sua margem oeste é ornamentada com dezenas de bandeiras suíças enfileiradas, penduradas no prédio. Foi quando eu e o Neil vimos algo que deu um pico na concentração de serotonina no sangue. Na calçada do outro lado da rua, as alvirrubras bandeiras emolduravam um pequeno conjunto de cadeiras e mesas; lia-se na fachada: “Chocolaterie”. O resto da história é previsível e, portanto, dispensável.

Com nossos pequenos saquinhos de veludo vermelho contendo 100 gramas dos maravilhosos chocolates suíços legítimos cuidadosamente protegidos dentro de nossas mochilas, continuamos o passeio.

Continuamos um pouco mais na Rue de La Corraterie até virarmos à direita na Rue Du Rhône. Esta nos pareceu ser a rua principal desta parte da cidade, pelo menos para o comércio. Tinha alguns shoppings, um cinema e um tiozinho tocando uma caixinha de música, como nos filmes que tem um macaco girando a manivela e tocando a música, só que aqui não tem macaco... Era só um tiozinho gordo.

Chegando à igreja protestante na margem norte da Rue Du Rhône, paramos um pouco para descansar. Eu e o Lucas compramos um Panini num trailer. Pedi o meu pro cara do trailer e ele disse: “Qual é a sua nacionalidade? Você é alemão?”. Pensei: Como assim?!?!?!, e disse: “Não, sou brasileiro”. Então ele se explicou que não diria pela minha cara que sou alemão, mas meu francês parecia ter sotaque alemão. Essa explicação faz tanto sentido quanto dizer que eu tenho cara de alemão, mas tudo bem. O Pedro comprou um canivete suíço pro pai dele e continuamos o passeio.

Continuamos em direção norte, cruzando o lago pela Pont des Bergues. Nesse ponto o lago pode ser atravessado por pontes, porque ele já está se estreitando para se transformar no Rio Rhône, rio este que, por coincidência, passa por Lyon.

Viramos então à esquerda, na Quai des Bergues, e depois à direita na Rue Rousseau, onde, pra nossa alegria, encontramos um Starbucks. A caixa do Starbucks nos mostrou novamente a diferença lingüística entre os suíços e os franceses. Em Lyon se você pede um “Caramel Macchiato”, pronunciando este nome como um americano ou inglês pronunciaria, ou a caixa não vai entender o que você disse ou vai repetir o nome com o horrendo sotaque francês. Na suíça, quando pedi o Caramel Macchiato, a caixa repetiu o nome, confirmando o pedido, num inglês tão perfeito que achei que estava nos EUA. Enquanto isso, na mesa mais próxima ao caixa, estavam alguns engravatados conversando sobre negócios em inglês com sotaque americano, a primeira vez que escuto inglês americano desde que eu cheguei na Europa. A convivência que os suíços, pelo menos os de Genebra, tem com outras línguas e culturas os deixa muito mais flexíveis, compreensivos e civilizados.

Compramos alguns copos de café, sentamos nas poltronas do lado de fora e ficamos conversando por cerca de uma hora até que decidimos que já podíamos ir de volta para a estação Cornavin. Subimos pela Rue Rousseau, continuando sempre reto na Place Cornavin e chegando, enfim, na estação. Pegamos o trem que novamente saiu pontualmente às 20:44 e voltamos pra casa.

Assim se passou nossa primeira viagem na Europa. Quando chegamos aqui o pensamento que não nos saía da cabeça era: “Fui pra Suíça! Hoje eu fui pra Suíça, passei o dia ali e voltei pra minha casa, na França”. A ficha vai caindo aos poucos aqui.


*Ouvindo - "Los Hermanos - Ventura"

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Conhecendo o 'Huitième'


Esta é a planta baixa do oitavo andar do prédio da residência Puvis de Chavannes. Na verdade é o plano de evacuação de incêndio, quadro orbigatório em todos os prédios aqui na França. Mas serve para o que eu quero mostrar. Este post serve, na verdade, pra ilustrar outros anteriores. Agora o post do 'Banheiro' ficou ainda mais gráfico. Se é que isso é desejável...

Bom, vejamos novamente apartamento por apartamento:

  • 801 - Eu. No fim do corredor, ninguém passa aqui na frente a não ser que queira falar comigo. É sempre bem calmo e eu posso ouvir música sem atrapalhar o resto do andar, e o barulho do andar também não me atrapalha.
  • 802 - Thamise.
  • 803 - Thales. Igual o quarto da Thamise, praticamente. Na frente da cozinha: se alguém frita batata frita, o quarto fica com cheiro de McDonalds; se alguém frita linguiça, o quarto vira um churrasco de domingo. É relativamente longe da área mais movimentada, então também é um quarto tranquilo.
  • 804 - Neil. Diretamente voltado para a parte mais larga do corredor, onde acontece de tudo. Jogo de baralho à meia noite, treinamento de malabarismo (sério...), futebol (tô falando sério!), gritaria... O Neil, muito tolerante, não fica muito feliz.
  • 805 - Micha. O alemão que promove os tais treinamentos de malabarismo no corredor. Ele quer ensinar todo mundo a jogar aquelas três bolinhas. Também quer ensinar Ultimate Frisbee pra todo mundo. Muito gente boa, alemão típico.
  • 806 - Pedro. Um brasileiro de Uberlândia. Não o conheço muito bem.
  • 807 - ???. Um espanhol que não fala quase nada de francês. Não importa a hora do dia que ele te encontra ele fala "Bonsoir!", que significa "Boa noite!". Acho que ele não faz a menor idéia do que ele está falando.
  • 808 - ???. Um eslovaco magrelo que não fala nem olha pra ninguém. Ele sai de cueca do quarto andando pelo corredor quando vai tomar banho. Eu, por sorte, nunca vi tal cena. Mas ouvir a história já é desagradável o suficiente.
  • 809 - Alma. Mexicana.
  • 810 - Anette. Mexicana barulhenta.
  • 811 - Pedro. Carioca muito gente boa, também bolsista da Brafitec. Ele gosta de funk. As Havaianas dele arrebentaram, e ele pediu pra mandar outro par do Brasil por Correio. E não é sem sentido o pedido dele. É difícil achar um chinelo decente por aqui.
  • 812 - Lucas. Carioca também muito gente boa, apesar de flamenguista, coitado... Nos dias de jogo do Flamengo, sai de perto! Ele dá um jeito de assistir, sempre. O pai dele põe a webcam virada pra TV e deixa na conversa por vídeo no MSN, pra ele assistir. Se o flamengo perde, ele grita de raiva, se ganha ele grita de felicidade.
  • 813 - Carolina. Como o Lucas, abençoada com um dos dois quartos de frente para o banheiro. Agora, com a foto da planta, dá pra entender melhor o privilégio.
  • 814 - Woyten. O alemão mais brasileiro da região. Ele sempre tem cerveja alemã no quarto. Muita cerveja alemã. Ele está me ensinando alemão. Sempre que cruzo com ele, ele diz: "Andrrrê!! Wie geht's?!". Um dia ele tomou um porre de piña colada e teve dor de barriga. Ficou o resto da noite dizendo "Piña colada nunca mais!!".
  • 815 - Cindy. Francesa de origem polonesa que gosta de Radiohead, Ray Charles e não gosta dos franceses. Jovem.
  • 823 - Pièrre. Um francês que chegou há alguns dias. Quando me encontrou no corredor, me perguntou quando a residência ia nos dar os edredons! Viajou bonito, né? Ele vai ter comprar seu próprio edredon ou se acostumar com os cobertores que nos deram, finos e que pinicam.
  • 826 - Nolwenn. Francesa de Rennes - capital do estado frances 'Bretagne' -, ou seja, uma verdadeira Bretã!! Muito gente boa, quando conversamos com ela ela sempre nos interrompe a cada frase errada, para corrigir nosso francês. Uma hora conversando com ela equivale a 6 meses de curso de francês no Brasil.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Short Story 2 – ‘Tu sais comment il s’appelle ?’

Antes de começar, vejamos um pouco do contexto futebolístico francês.

O time da cidade de Lyon é o Olympique Lyonnais, ou o ‘OL’, como os torcedores mesmo o chamam. Como no Brasil, aqui existem as rivalidades entre times: Atlético-PR e Coritiba, Internacional e Grêmio, Atlético-MG e Cruzeiro, e por aí vai... Pois então, o ‘anti-OL’ aqui é o time de Marseille, o Olympique de Marseille.

As reações dos torcedores franceses ao seu time rival são as mesmas dos brasileiros. Jean-Luc, o guarda noturno barrigudo, é torcedor doente do OL, se eu chego pergunto pra ele: “E o Marseille, como vai no campeonato?” ele só faz uma careta e dá uma banana.

Pois então, contexto explicado, vamos à história.

Algum gênio da direção do Olympique de Marseille teve a brilhante idéia, há algum tempo atrás, de contratar um atacante brasileiro. E esse brasileiro é o ilustre Evaeverson Lemos da Silva. Ele existe, juro! Mesmo com esse nome, ele tem até página na Wikipédia. Talvez por seu nome ser tão bonito, algum outro gênio decidiu dar um apelido pra ele, e achou que uma boa idéia seria, obviamente, "Brandão". Por quê, meu Deus? Por quê? Como um Evaeverson da Silva vira Brandão?

Aqui na França, todos são conhecidos primeiramente por seus sobre nomes, só depois as pessoas vão se interessar em seu nome. Sempre que o Jean-Luc me encontra e ele está conversando com um grupo de franceses, ele diz: "Tu sais comment il s'appelle? Brrandaô!!", ou "Você sabe como ele se chama? Brrandaô!", e todos, depois de perguntares, incrédulos: "É verdade?!", começam a rir. Maravilha, né?

Pelo menos as pessoas gravam meu nome rapidinho. Na aula de tênis, que eu faço junto com o Thales, eu estava jogando com um cara e, numa pausa, ele perguntou: "Qual é o nome do seu colega mesmo? O seu eu gravei rápido, por motivos futebolísticos, mas o do seu amigo eu não consigo lembrar.", eu, fingindo que não sabia quais eram os tais motivos futebolísticos disse: "Barbosa, o nome dele é Barbosa."

Depois fui descobrir que o cara era torcedor do Olympique de Marseille. Tá explicado porquê, quando eu estava jogando uma partida com outra pessoa, ele ficava do lado da quadra torcendo e falando "Brrandaô! Brrandaô! Brrandaô!"


*Ouvindo - 'Kurt Elling - Dedicated to You'

sábado, 17 de outubro de 2009

Short Story 1 - O Interfone no Carrefour

Escolhi, para abrir essa sessão do blog, uma situação passada há alguns dias atrás, curta, rápida e aparentemente insignificante, e, exatamente por isso, ilustra bem o que eu quero com a sessão de ‘Short Stories’.

Os franceses são em geral muito discretos. Você não vê gente gritando na rua, nem mesmo falando alto no telefone dentro de um ônibus ou metrô. Um francês não costuma fazer questão de notificar as pessoas que o rodeiam quando ele faz alguma coisa. Por isso, em um shopping, restaurante ou transporte, mesmo que lotado, não se ouve muito barulho.

Estava eu no Carrefour. Comprei algumas coisas pra comer e fui para o caixa. O Carrefour em questão era um ‘Carrefour Market’, como o ‘Carrefour Bairro’, do Brasil, pequeno. Aparentemente, a operadora do caixa teve algum problema com as compras da cliente na minha frente, e precisou da ajuda daqueles funcionários assistentes que ficam na frente de caixa e normalmente são acionados por uma pequena luz em cada caixa, no Brasil, ou, o que acontece mais frequentemente, a operadora do caixa berra: “Kateriiiine, chama a Joyce lá pra mim que a tela do computadô travô de novo!!!”. Isso faz sentido, claro. Por que você vai acionar um sinal luminoso se a pessoa da qual você necessita está a alguns passos de distância?

Mas a operadora de caixa francesa não pensou assim. O caixa em que eu estava era o mais próximo do balcão onde a assistente ficava. Quando digo próximo estou falando de 3 metros, ou pouco menos. A assistente estava conversando com um homem, cliente, funcionário, amigo... pouco importa. O que me chamou atenção foi que a operadora do caixa não gritou, nem sequer falou o nome da assistente, o que seria suficiente para esta ouvir o chamado. Ela tirou um pequeno interfone do gancho e esperou na linha, enquanto olhava pra assistente, que ainda conversava. Em alguns instantes a assistente terminou sua conversa e atendeu o interfone, olhando para a operadora do caixa, como que para ser ajudada pela leitura labial. Esta então disse algo como ‘Pode vir aqui um momento, por favor?’ numa voz muito baixa para ser ouvida. A assistente então saiu do balcão, deu dois passos, alcançou o caixa, resolveu o problema e voltou. Dá pra acreditar? Sem Joyce, sem Katerine, sem ‘computadô’ travado... O problema foi resolvido silenciosamente.

*Ouvindo – ‘Bobby McFerrin – Spontaneous Inventions’

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Short Stories - Introdução

As coisas aqui acontecem todo dia.

Situações rápidas e aparentemente insignificantes que dentro de meses escaparão de minha memória e se perderão para sempre. Aliás, perder-se-iam para sempre, se eu não pudesse registrá-las aqui, no blog.

É por isso que começarei agora a sessão ‘Short Stories’, onde contarei pequenos fatos ou situações do dia-a-dia que são relevantes o bastante para serem lembradas mas curtas o bastante para serem registradas em poucas frases. Uma introdução explica o por quê da relevância da história, eu conto a história e só. As conclusões ficam pra quem estiver lendo.

Espero que gostem.