Comecemos pelo momento que a decidimos que viajaríamos. Era uma terça-feira, dia 27 de outubro, de noite. O Lucas entrou no meu quarto e disse, sem rodeios: “Vamos pra Genebra depois de amanhã? Todo mundo vai!” e eu, sem titubear respondi: “Sim!”. Pronto. Assim começou a viagem.
Iríamos eu, o Lucas, o Neil, o Thales, o Pedro, a Thamise, a Maria Fernanda e a Carolina. Apesar de ter sido uma decisão repentina, já estava tudo certo. Partiríamos no trem das 6:51 da manhã e voltaríamos no último trem do dia, às 20:44.
Passemos agora a quarta-feira. Passagens já compradas, de noite a Thamise me mostrou um mapa de Genebra que uma amiga dela havia lhe dado. O relógio mostrava algo por volta das 11 da noite quando resolvi pegar esse mapa pra tentar conhecer a cidade e planejar algum trajeto. Genebra é uma cidade pequena, de um ponto turístico a outro não andaríamos mais do que 1,5km. No fim das contas, terminei de olhar o mapa a 1:15 da madrugada. Tendo que acordar às 5:00 da manhã no dia seguinte, desabei na cama num sono só.
Pí, pí, pí!! O despertador do celular tocou depois de insuficientes 3 horas e meia de sono. Por alguns segundos me senti cansado e totalmente incapaz de levantar o braço e acender a luz, mas quando me veio na cabeça “daqui a pouco estarei na Suíça!”, levantei sem sono e com total disposição. Saí do quarto com a toalha na mão chutando as portas dos que ainda não haviam acordado.
Quando eram 6:10 estávamos todos prontos, dentro do tramway indo para a estação Part-Dieu. O trem partiu pontualmente às 6:51. Às 8:37 desembarcávamos na estação Cornavin em Genebra. Trocamos nosso dinheiro, compramos alguns francos suíços. Agora começa o passeio.
Pegamos a saída noroeste da estação, entrando na Rue Montbrillant em direção norte para irmos ao palácio da ONU, primeira parada do tour. Todos animados e com máquinas fotográficas em mãos registrando a euforia do início da viagem. Uma caminhada rápida já revelou características diferentes. Por vezes com traços antigos, detalhes rebuscados nas fachadas e nos telhados, mas mais bem conservada que a arquitetura de Lyon. Enquanto aqui em Lyon temos a impressão de estarmos andando em meio a construções antigas que estão no mesmo lugar a centenas de anos, em Genebra temos a impressão de estarmos andando em meio a construções antigas sem a ação das centenas de anos sobre elas, como se tivéssemos sido transportados nós mesmos para centenas de anos atrás, onde tudo isso não tinha aparência de antigo.
Nesta parte da cidade, mais nova, muitas construções são realmente modernas, espelhadas, curvas, diagonais... No melhor estilo ‘arquiteto do século 21’.
Outro aspecto marcante que ficou evidente já neste primeiro trecho de caminhada foi a elevadíssima renda da população suíça. Vou deixar o festival de carros absurdos que desfilavam pelas ruas por conta da imaginação dos que se interessarem. Diferente do Brasil ou mesmo aqui de Lyon, em Genebra quando víamos um carro caro, esportivo, luxuoso, não estava sendo guiado por um jovem querendo chamar atenção dos outros. Em Genebra, quando passava do nosso lado uma Mercedes ou um Jaguar daqueles de 6 metros de comprimento, atrás do volante estava um tiozão, cabelos brancos, paletó e gravata, óculos escuros; interessado em nada além do conforto que ele merece e pode comprar.
Chegando ao fim da Rue Montbrillant, pegamos um pequeno trecho da Avenue de France. Depois de atravessar a Places dês Nations, chegamos à ONU. Nenhuma emoção especial. Atrás de um alto portão fechado um corredor ladeado por dezenas de bandeiras de todo o mundo. Um muro onde se lia ‘Nations Unies – United Nations’. E só.
Saindo da ONU continuamos agora em direção leste pela Avenue de la Paix. Até o vizinho da ONU, o Jardim Botânico; este sim, nos ofereceu algo de especial. No fim de outubro, em pleno outono. Não podíamos ter escolhido época melhor para visitar o Jardim. Um festival de cores formava um caos natural perfeitamente harmonioso. Estava frio e muito úmido, fazendo a grama ficar muito molhada, como se estivesse chovendo. Sapatos molhados e câmeras fotográficas mais cheias, saímos do jardim no cruzamento entre a Avenue de la Paix e a Rue Lausanne. Deste ponto bem ao norte da cidade, podíamos ver o famoso Jet d’Eau, a dois quilômetros de distância, mesmo com vários prédios no meio do caminho, o jato se destacava jorrando água a 140 metros de altura. Continuamos em direção leste, cruzando a Rue Lausanne e entrando no Parc Barton.
No Parc Barton chegamos pela primeira vez à beira do Lac Léman. De um lado do para-peito o imenso lago cristalino repleto de cisnes e gaivotas, do outro lado vastos gramados e palacetes dos quais não se sabe a finalidade, mas não podiam deixar de estarem lá. Uma quinta-feira, às 10:00 da manhã e víamos muita gente correndo no parque, andando de bicicleta, lendo um jornal na beira do lago. Não sei como funcionam as cargas horárias dos empregos na Suíça, mas sei que dá certo, e a qualidade de vida é alta.
Depois de contornar parte da borda do parque, chegamos à parada do barco. O barco, em Genebra, faz parte do transporte público da cidade. No lugar que ele pára, tem uma maquina como aquelas que achamos em cada parada de tramway ou ônibus. Compramos um ticket válido por todo o dia, para toda a rede de transporte: ônibus, metro, tramway e barco. Enquanto estávamos comprando os tickets, chegou um senhor, com seus 60 anos, lendo as informações na máquina de comprar tickets. Eu me desculpei por estar na frente da máquina e ele, percebendo que falávamos outra língua, respondeu: “It’s OK”. Achei que fosse também um turista, mas depois o ouvi falando algo em francês com o típico sotaque suíço.
O sotaque suíço. Esse merece um parágrafo antes de voltarmos para o tiozinho da parada de barco. Antes de irmos, o Jean-Luc, conhecido e barrigudo guarda noturno da Puvis, nos tinha dito, fazendo piada, do sotaque dos suíços. Imagine um francês falando francês, como nos filmes. Esse é o sotaque da França. Tá, agora imagine um baiano falando francês – esse é o sotaque suíço. Isso! Eles falam devagaaar, alongando as vogais das sílabas tôôônicas. É exatamente um baiano falando francês. Bom, voltemos ao tiozinho.
Esperando o barco, com os tickets já comprados, eu cheguei e perguntei para o senhor, só pra ver se ele dava papo: “Você é francês?”. O tiozinho, muito contente que nós todos falávamos francês, começou a conversar e nos mostrar os lugares legais da cidade e contar um pouco da história da cidade, até chegar à parada que ele tinha que descer. Muito simpático, o tio suíço.
Bom pra situar novamente o passeio no mapa, descemos do barco do outro lado do lago, ao norte do Parc des Eaux-Vives, no cruzamento entre a Quai Gustave Ador e a Rampe de Cologny, num lugar que eles chamam de ‘Genêve Plage’. Continuamos agora em direção sudoeste pela Quai Gustave Ador. Entramos no Parc dês Eaux-Vives, que é também um hotel e um restaurante. A imponência do hotel, com um vasto campo gramado na frente, inspira dinheiro, luxo e uma limousine Mercedes preta com vidros fumês. Tiramos umas fotos e continuamos o passeio.
Ainda na mesma Quai Gustave Ador, continuamos até chegar ao Jet d’Eau. Um jato colossal lançando ao ar 500 litros de água por segundo a uma velocidade de 190km/h até uma altura de 140 metros utilizando duas bombas de 500kW de potência cada a uma tensão de 2400V. Papo de engenheiro, mas como éramos 7 estudantes de engenharia visitando Genebra e sei que pelo menos dois engenheiros vão ler este texto, acho que estas informações não são fora de contexto.
Neste mesmo lugar da orla do Lago Léman, víamos muita gente sentada na beira do lago, algumas com sua família, um cidadão fumando um charuto, outro comendo seu almoço, outro repartindo o seu com os cisnes e gaivotas que brigavam disputando os pedaços de pão.
Neste ponto do passeio já estávamos todos famintos! Continuamos então por mais alguns passos na Quai Gustave Ador viramos a esquerda na Rue Pièrre Fatio, depois à direita no balão – Rond-Point de Rive – e lá estava ele: um magnífico e brilhante McDonald’s. Lá dentro nos deparamos com outra característica marcante de Genebra. Como o tiozinho do barco já nos tinha dito, Genebra é uma cidade extremamente internacional. No McDonald’s víamos grupos de jovens, com 16 ou 17 anos, conversando fluentemente em francês, e mudavam repentinamente para o inglês, e voltavam para o francês e encontravam um outro amigo com o qual falavam em inglês. Diferente da França, em Genebra todos falam inglês como segunda língua, pelo menos. Geralmente falam também alemão e/ou italiano, as outras duas línguas oficiais do país.
Enfim, mandamos um belo lanche, nos impressionamos com a máquina de secar mãos do banheiro e continuamos o passeio.
Continuamos em direção oeste na Rue de Rive, pegamos a segunda rua à esquerda - Rue de La Fontaine - subindo, em direção sudoeste, passando pela Taverne de La Madeleine, atravessando a Rue de l’Evêché, passando em frente ao Museu Internacional da Reforma Protestante e chegando, enfim à catedral Saint-Pièrre. Seis imensas colunas se destacavam na fachada da catedral. Em seu interior o estilo neutro chamava atenção. Paredes e colunas cinzas, sem vitrais ou afrescos coloridos ou imagens douradas. As colunas internas parecem um conjunto de cilindros agrupados paralelamente, diferente das comuns colunas simples cilíndricas com as quais estamos acostumados. No altar nada de imagens douradas e concentração de detalhes. Para a iluminação, dois lustres simples e circulares ao longo do corredor central. Se destacava apenas o imenso órgão no fundo da igreja, acima da grande porta principal. O estilo diferente, apesar de simples, é muito bonito e inspira um templo religioso austero, despoluído e menos luxuoso.
Enquanto descansávamos ao lado da catedral, eu, Neil, Thales, Pedro, Carolina, Maria Fernanda e Thamise, esperávamos o Lucas, que tinha sumido. Quando eu, a Thamise e a Carolina resolvemos ir à frente da catedral esperá-lo, ele acabava de sair, nos dizendo que tinha subido na torre da igreja e que tínhamos que ir lá. Depois de subir - eu e o Lucas contamos - 147 degraus de uma escada helicoidal quase vertical com um diâmetro de não mais de 1,5m, nossos ombros encostando nas paredes e na coluna central da escada, chegamos ao topo da Torre Norte da igreja. Uma vista panorâmica completa da cidade nos foi apresentada bem como os Alpes Suíços tão longínquos quanto colossais, ao fundo da paisagem.
Saindo da catedral, pegamos a direção sudoeste na Rue Du Perron seguindo reto passando pelo Hôtel de Ville e descendo pela Rampe de La Treille até chegar à Place de Neuve de frente ao Grand Thêatre e ao conservatório de música inaugurado em 1835. Entramos então nos domínios da Universidade velha de Genebra, no Parc des Bastions onde tem o Monumento Internacional da Reforma Protestante - o Muro dos Reformadores - com as imagens de Lutero e Calvino e alguns outros que não sei quem são. Mas era um muro grande, branco e bonito.
O Parc des Bastions é muito bonito, apesar de pequeno. Logo na entrada vimos uma área peculiar, destinada a jogos de xadrez e damas. Tabuleiros pintados no chão, de 5x5 metros, ou algo próximo a isso, com peças de xadrez de meio metro de altura ficam à disposição de quem os quiser utilizar. Em volta de cada um dos tabuleiros vê-se um pequeno aglomerado de terceira idade compenetrados no jogo de xadrez de dois outros representantes da ‘melhor idade’. Os jogos não são exclusivos para os mais velhos, mas este simplesmente é um público que parece ser naturalmente mais atraído por essa atividade.
Cada um dos espectadores ou jogadores é uma caricatura. Um com uma expressão cansada, muitas rugas e um cachimbo pendendo da boca, uma baforada de fumaça aqui e ali. Um japonês com cara de Yakuza fumando um cigarro enquanto pensa na sua estratégia para destruir o adversário num xeque-mate relâmpago. E por aí vai.
Neste parque sentamos um pouco para descansar. Checando o celular casualmente para procurar alguma rede Wi-Fi gratuita por perto, para nossa surpresa, achamos! O nome da rede: “Ville de Genève”, ou seja “Cidade de Genebra”. É uma rede completamente gratuita e rápida que, penso eu, está disponível em lugares como parques ou pontos turísticos mais freqüentados. Uma rede de internet fornecida pela cidade gratuita para todas! A evolução tecnológica que todo engenheiro eletricista, de redes ou de telecomunicações sempre sonhou.
Pronto, o itinerário que havíamos planejado se acabou, e ainda nos restavam 3 horas de passeio! Genebra é uma cidade fantástica para se fazer um dia de turismo, você conhece os principais pontos a pé com sobra de tempo. Claro que ainda há muito mais a conhecer, mas dá pra conhecer muita coisa sem precisar pagar um albergue ou um hotel.
Resolvemos então sair andando pelas ruas próximas procurando coisas pra comprar, ver ou fazer. Fomos andando em direção norte, na Rue de La Corraterie. Por esta rua passa uma linha de tramway e sua margem oeste é ornamentada com dezenas de bandeiras suíças enfileiradas, penduradas no prédio. Foi quando eu e o Neil vimos algo que deu um pico na concentração de serotonina no sangue. Na calçada do outro lado da rua, as alvirrubras bandeiras emolduravam um pequeno conjunto de cadeiras e mesas; lia-se na fachada: “Chocolaterie”. O resto da história é previsível e, portanto, dispensável.
Com nossos pequenos saquinhos de veludo vermelho contendo 100 gramas dos maravilhosos chocolates suíços legítimos cuidadosamente protegidos dentro de nossas mochilas, continuamos o passeio.
Continuamos um pouco mais na Rue de La Corraterie até virarmos à direita na Rue Du Rhône. Esta nos pareceu ser a rua principal desta parte da cidade, pelo menos para o comércio. Tinha alguns shoppings, um cinema e um tiozinho tocando uma caixinha de música, como nos filmes que tem um macaco girando a manivela e tocando a música, só que aqui não tem macaco... Era só um tiozinho gordo.
Chegando à igreja protestante na margem norte da Rue Du Rhône, paramos um pouco para descansar. Eu e o Lucas compramos um Panini num trailer. Pedi o meu pro cara do trailer e ele disse: “Qual é a sua nacionalidade? Você é alemão?”. Pensei: Como assim?!?!?!, e disse: “Não, sou brasileiro”. Então ele se explicou que não diria pela minha cara que sou alemão, mas meu francês parecia ter sotaque alemão. Essa explicação faz tanto sentido quanto dizer que eu tenho cara de alemão, mas tudo bem. O Pedro comprou um canivete suíço pro pai dele e continuamos o passeio.
Continuamos em direção norte, cruzando o lago pela Pont des Bergues. Nesse ponto o lago pode ser atravessado por pontes, porque ele já está se estreitando para se transformar no Rio Rhône, rio este que, por coincidência, passa por Lyon.
Viramos então à esquerda, na Quai des Bergues, e depois à direita na Rue Rousseau, onde, pra nossa alegria, encontramos um Starbucks. A caixa do Starbucks nos mostrou novamente a diferença lingüística entre os suíços e os franceses. Em Lyon se você pede um “Caramel Macchiato”, pronunciando este nome como um americano ou inglês pronunciaria, ou a caixa não vai entender o que você disse ou vai repetir o nome com o horrendo sotaque francês. Na suíça, quando pedi o Caramel Macchiato, a caixa repetiu o nome, confirmando o pedido, num inglês tão perfeito que achei que estava nos EUA. Enquanto isso, na mesa mais próxima ao caixa, estavam alguns engravatados conversando sobre negócios em inglês com sotaque americano, a primeira vez que escuto inglês americano desde que eu cheguei na Europa. A convivência que os suíços, pelo menos os de Genebra, tem com outras línguas e culturas os deixa muito mais flexíveis, compreensivos e civilizados.
Compramos alguns copos de café, sentamos nas poltronas do lado de fora e ficamos conversando por cerca de uma hora até que decidimos que já podíamos ir de volta para a estação Cornavin. Subimos pela Rue Rousseau, continuando sempre reto na Place Cornavin e chegando, enfim, na estação. Pegamos o trem que novamente saiu pontualmente às 20:44 e voltamos pra casa.
Assim se passou nossa primeira viagem na Europa. Quando chegamos aqui o pensamento que não nos saía da cabeça era: “Fui pra Suíça! Hoje eu fui pra Suíça, passei o dia ali e voltei pra minha casa, na França”. A ficha vai caindo aos poucos aqui.
*Ouvindo - "Los Hermanos - Ventura"
