Tudo começou quando o site do cantor de jazz Kurt Elling foi atualizado com novos shows. Dia 10 de novembro ele tocaria em Paris, no New Morning. Comprei o ingresso e as passagens. Tinha uma prova no mesmo dia 10 pela manhã. Sairia de TGV às 12:00 e voltaria dia 12 às 6:00, pois tinha que chegar em Lyon a tempo para a visita médica na OFII – ofício de imigração francês. O Neil também comprou passagens. Ficaríamos hospedados com o Marcel, na Maison des Arts et Métiers.
Vamos então às histórias da cidade. Paris é aquilo que todo mundo já ouviu ou leu. Lugares maravilhosos, visões incríveis no meio da cidade. Música nas ruas. O Louvre, a Torre Eiffel, a Champs Elysée, o Arco do Triunfo. Mas isso tudo todo mundo já conhece, e sabe que é realmente fantástico. Se não conhece, leia o artigo da Wikipédia sobre Paris e passará a conhecer.
O que eu vou contar aqui são histórias de uma viagem a Paris. A nossa falta de sorte, as entranhas e feiúras de Paris. Marcas do aglomerado humano fora de controle dentro de uma cidade supostamente mágica e perfeita.
Dedico este parágrafo ao Marcel, que provavelmente não gostará dos parágrafos seguintes. O Marcel ama Paris, ama defender Paris, ama morar em Paris, ama passear em Paris, ama mostrar Paris, e o fez muito bem. Mostrou-nos muito da cidade para o pouco tempo que ficamos. Viu, Marcel! Eu gostei de Paris, apesar de tudo que vou escrever aqui, mas toda a parte fantástica, mágica e perfeita da cidade é óbvia quando escrita, só faz sentido quando é vivida. Valeu pelo tour!!
Comecemos.
Chegamos à Gare de Lyon, no leste de Paris. De lá, sabíamos que tínhamos de pegar dois metrôs: o ‘D’ até a Châtelet depois o ‘B’ até a Cité Universitaire. Esperando onde o trem deveria chegar, a imagem que tínhamos de Paris começava a mudar. Sons de outros trens passando em outros andares faziam tremer o chão, dando a todo o lugar uma atmosfera extremamente hostil, que se reafirmava com o cheiro horrível da estação e o semblante fechado e desconfiado das pessoas que esperavam conosco.
O trem chegou: imenso, barulhento, antigo, vidros riscados, faíscas nos trilhos.
Dentro só viam-se negros. Aqui na França acontece algo muito parecido com o que acontece no Brasil. No Brasil, existe uma migração grande de nordestinos para as grandes cidades, em busca de uma vida melhor, e estes, normalmente, formam uma grande parte da parte mais pobre da sociedade, naturalmente, pois não é tão fácil assim subir de classe econômica. Aqui na França, os africanos do Maghreb – sobretudo Marrocos, Tunísia, Argélia – que tem francês como segunda língua, vem para a França em busca de oportunidades, e formam as classes mais pobres do país. Como esse metrô que estávamos pegando vai das periferias para o centro da cidade, os negros eram maioria.
Depois de uma viagem que mais parecia um trem fantasma, com barulhos de atrito de metal, vibrações exageradas e pichações ao longo de toda a parede do túnel do metrô, chegamos enfim à maior estação de metrô de Paris: Châtelet-Les Halles. Seguimos as sinalizações para o metrô B, direção Cité Universitaire, foi fácil de encontrar, descemos uma escada viramos à esquerda e, onde deveriam estar pessoas esperando o mesmo trem que iríamos pegar, estava uma faixa de contenção, e ninguém esperando. O trem que precisávamos não estava lá. Subimos sem rumo, sem saber o que deveríamos fazer. Depois de alguns minutos olhando no mapa do metrô, sem saber direito o que estávamos procurando, um aviso nos auto-falantes avisou que a linha B estava interrompida em certo trecho, por razão da greve da rede de transporte de Paris, e que deveríamos pegar o metrô 4 para substituir.
Com o fluxo desviado, o metrô 4 estava completamente lotado, é claro. Mas, enfim, chegamos à casa do Marcel e fomos passear. E a onda de azar continua...
Quando chegamos ao Jardin des Tuileries, estava em reforma, e sua parte central, a mais bonita, inacessível. Tudo bem... Continuamos reto e chegamos ao Louvre, único momento com absolutamente nenhum contratempo ou azar. A hora do dia era perfeita, anoitecendo, um céu azul marinho com nuvens desenhadas. Ao fundo o holofote da Torre Eiffel girava, e a pirâmide colossal do Museu se destacava em nossa frente, contrastando com a aparência medieval do Museu. Um violoncelista tocava em um ponto com acústica privilegiada, completando o momento mais incrível que passei em Paris.
O resto do dia foi dedicado ao show do Kurt Elling. Mais metrôs lotados, correria, chegamos em cima da hora e sentamos na escada, lugar este que percebemos depois ser o melhor que poderíamos ter ficado.
Dia 11 de novembro, feriado do Armistício da 1ª Guerra Mundial. Acordamos cedo para aproveitar o dia. Saímos direto para a Place de La Concorde, início da famosa Avenue des Champs-Elysées. Obviamente, a Place de La Concorde estava em reforma, mas pelo menos nos restava a Champs-Elysées. Foi o que pensamos.
O acesso à Champs-Elysées estava restrito às calçadas, a rua estava fechada para o evento de comemoração do Armistício. Mesmo assim percorremos toda a extensão da avenida, para chegarmos ao Arco do Triunfo. No meio do caminho vimos dois carros pretos saindo cantando pneus e colocando uma sirene azul no teto. Não é todo dia que se vê carros à paisana do serviço secreto francês descendo o cacete na Champs-Elysées.
Depois de percorrer toda a extensão da avenida, nos deparamos com uma barreira, uns 120 metros antes do Arco. O evento estava acontecendo embaixo do Arco. Com direito a Sarkozy, Angela Merkel e bandeira gigante hasteada no centro do Arco. Mas é claro que não dava pra ver nada disso daquela distância. Aliás... A bandeira a gente via.
Agora a Torre Eiffel! Vamos lá! É logo ali, peguemos o metrô. Chegamos ao Trocadéro, lugar que, segundo o Marcel, tem a melhor vista da Torre. Chegando lá, de fato a vista era fantástica, mas algo estava errado. Metade da Torre estava sob densa neblina. Excelente. Mais sorte!
Na Torre Eiffel, se você desentortar o pescoço para olhar horizontalmente pras pessoas e não verticalmente para o topo da imensa torre, você coisas interessantes, como não podia deixar de ser. Esse lugar é um lugar muito especial. Gente do mundo inteiro, com dinheiro e instinto consumista no nível máximo passa por ali todos os dias a toda hora. Assim, não podem deixar de serem criados atividades e eventos únicos.
Quando você desvia o olhar do topo da Torre, você vê que ali é o point do comércio turístico clandestino. Este ponto é dominado pelos negros. Eles tem suas próprias leis, só negros podem vender ali. Negros por todos os lados carregam suportes com dezenas de chaveiros da Torre Eiffel, sacudindo-as fazendo um barulho característico. Oferecem as miniaturas para os turistas sem olhar para eles, o olhar fica fixo nas escadas, de onde podem vir policiais. Às vezes alguém da um grito de alerta e todos saem correndo, mas logo voltam. Assim, eles não fazem a menor idéia de pra quem eles já ofereceram e pra quem ainda não ofereceram a mercadoria, então eles oferecem de um em um minuto, sem se importarem se já ouviram ‘não’ da pessoa.
Um problema grande deles é dizer de maneira objetiva para as pessoas quanto custa as miniaturas, pois ali existem pessoas do mundo todo. A cada 10 metros quadrados encontram-se 5 línguas diferentes, não é fácil de fazer todos entenderem o valor do souvenir. Cada torrezinha custa 1 euro. Eles então desenvolveram um jeito de falar ‘1 euro’ que não corresponde a língua nenhuma, mas o mundo todo entende. Eles chegam, balançando as torres e falando: ‘onerô, onerô, onerô’. De alguma maneira, todos entendem.
Mais embaixo, em lugares que os turistas passam, mas não param, encontram-se alguns grupos de negros – de 3 a 5, geralmente – conversando. Quando você passa perto eles tiram a mão do bolso revelando algumas fitinhas, como aquelas do ‘Senhor do Bonfin’, da Bahia. E tentam puxar papo, segurando seu braço. O Marcel já nos tinha avisado que eles puxam papo e agilmente amarram a fitinha no seu braço, e depois exigem 5 euros por aquilo que já está no seu braço e não pode mais ser desamarrado.
Não achei que encontraria esse tipo de coisa na Europa. Pelo menos não tão explicitamente. Mas, como disse antes, são marcas do aglomerado humano fora de controle. O oportunismo toma conta, e a cidade toma um ar hostil, tornando os habitantes, estressados e desconfiados.
Essas experiências em Paris me fizeram sentir uma imensa saudade de Lyon. Ruas limpas e tranqüilas. Estações de metrô inodoras e silenciosas. Pessoas sorridentes e simpáticas. Noite tranqüila. Dou um conselho: se você gosta da França, visite Paris, mas viva em Lyon.
Na noite do dia 11 para o dia 12 dormimos só 3 horas, acordando às 4 da manhã pra pegar um táxi para a Gare de Lyon e voltar pra casa.
E a viagem se acabou. Mas hei de voltar a Paris, as passagens já estão compradas, e mais histórias virão.
* Ouvindo – “Madeleine Peyroux – Bare Bones”
mto boa sua descrição da cidade.
ResponderExcluircomo pode ser nocivo o descontrole do crescimento e desenvolvimento da cidade...
mas Paris tem e sempre terá um charme especial!
ah, vc nem teve tanto azar assim... não é todo dia q se vê carro do serviço secreto em ação e Sarkozy em evento..