segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Ano

Foi um ano.

Doze meses dos quais lembrarei e contarei pra meus filhos e netos os chamando sempre de ‘o melhor ano da minha vida’. Doze meses de aprendizado. Doze meses de 5 anos de experiência vividas.

Doze meses durante os quais vivi várias etapas, várias vidas.

Primeira. A semana do albergue.

No início, na primeira semana no albergue, com a incerteza e a insegurança Tudo o que eu tinha ficava trancado a cadeado em uma mala de 32 quilos em um quarto compartilhado com mais 5 pessoas. Conhecendo gente diferente, culturas diferentes, 5 continentes em uma mesa de plástico, trocando histórias e risadas em todos os idiomas. Longe de casa, a saudade da família apertava. Aliás, estava começando a ter contato com um dos maiores aprendizados que tive: o significado de casa. Uma agonia imensa era companheira constante no peito, sofrendo com a falta daquilo que até então me era tão natural e constante que eu não percebia sequer sua existência.

Segunda. A semana da burocracia.

Quando já estava na residência. Sendo apresentado à não muito agradável burocracia francesa. Acompanhado por Didier Leonard, professor da nossa universidade, fazendo os infindáveis procedimentos pra se inscrever na faculdade, conseguir o quarto na residência universitária, abrir a conta no banco. Tropeçando na língua francesa, assinando quilos de papéis sem ter a menor idéia do que significavam.

Terceira. A estabilidade das aulas.

Depois um pouco de estabilidade. A agonia já não existia mais. Procurando uma rotina. Tentando construir um lugar que pudéssemos chamar de casa. Conhecendo os vizinhos estrangeiros, cada um com sua realidade e cultura e algo pra ouvir e dizer. Misha, Alma, Terê, Anette, Woyten, Benoît, Cindy, Wajdi, Hamza, Momô... Procurando o congelado mais barato no Carrefour ou no Lidl, descobrindo os artigos domésticos baratos na loja da IKEA, se acostumando com as aulas e seus horários malucos e variáveis, procurando um frigobar barato nas lojas de produtos usados. Esperando o frio, que chegou logo. Começando a pensar em viagens, ainda sem saber direito como se planejar.

Fomos pra Genebra. Primeira viagem dos brasileiros, e (quase) todos juntos. Eu, Neil, Thales, Thamise, Lucas, Carol, Pedro e Maria Fernanda. Faltaram só os paulistas Rafael, Marcelo e Bruno. Andando o dia inteiro pra conhecer a cidade e começando a entender como funciona a vida de um viajante curioso sem dinheiro.

Quarta. O inverno.

E chegou o inverno. Veio a neve, pra irritação do Thales e felicidade de praticamente todos os outros. Dentro de casa o dia inteiro, todos juntos se abrigando do frio, todos empilhados dentro do quarto de um só jogando poker ou vendo filmes. Semana após semana, 24 horas por dia de convivência, conhecíamos as características, diferenças e afinidades.

Às proximidades do feriado de Natal eu e o Thales, únicos restante em Lyon, devorávamos os episódios da série Lost enquanto a neve caía, silenciosa, sem parar do outro lado da janela. Dentre os que viajavam Lucas e seus pais, que vieram de visita. Encontrei-os em Milão, passando a noite de ano novo com eles em uma praça da cidade rodeados por bombas estourando no meio da multidão. Todos juntos, tentando se abrigar do frio.

Quinta. A transição e as visitas.

Todos de volta a Lyon, em janeiro, o inverno continuava no auge. Viajei sozinho à Alemanha, passando por Berlim, Dusseldorf, Colônia e Munique. As matérias já estavam quase todas terminadas, exceto pelas aulas noturnas semanais de francês. Procurávamos decidir nosso destino para o próximo semestre: mais matérias ou estágio?

Nesse meio tempo de indecisão o Gabriel, amigo do Thales; a Laianne, namorada do Neil e a Thais, namorada do Lucas vieram visitá-los. Viajaram um bocado, ficaram em Lyon um outro tanto. Fizemos ski e snowboard nos Alpes, fomos à Disney.

Sexta. O estágio.

No fim das contas Lucas, Thales, Thamise, Bruno e eu conseguimos estágio na École Centrale de Lyon, cada um em um laboratório diferente, mas todos nós compartilhando a jornada matinal de 1 hora até chegar ao afastado campus da École, que fica em Ecully, cidade da grande Lyon.

Almoçávamos todo dia juntos os 5, pontualmente às 11:30, no Restaurante Universitário. No início comíamos na mesa com os outros integrantes do laboratório do Lucas, Thales e Thamise. Descobrimos que os franceses comem muito rápido e ninguém levanta enquanto todos da mesa não tenham terminado. Ficavam, portanto, esperando nós (geralmente o Thales) terminar toda nossa refeição pra só então levantarem apressados e desaparecerem de vista. Depois de um tempo decidimos que era melhor deixá-los sossegados na pressa deles e sentarmos os brasileiros em outra mesa onde podíamos comer na velocidade que quiséssemos e ficar conversando ainda sentados e de pratos vazios o tempo que quiséssemos. Trocávamos idéias sobre os problemas que tínhamos em nossas pesquisas, nos ajudávamos uns aos outros e, depois que terminávamos de comer, nos dirigíamos ou à máquina de café onde prolongávamos a conversa ou nos esticávamos sentados no gramado, onde também prolongávamos a conversa até a hora de voltar à labuta.

Voltávamos pra casa, jantávamos juntos, adicionando-se a nós também o Neil e às vezes até o Pedro, numa janta farta de comida e conversa.

Quatro meses passaram-se dessa rotina. E nos fez aproveitar mais os tempos livres, os fins de semana, planejar as viagens para os feriados. Fomos Lucas e eu para Barcelona em um feriado prolongado. Fomos Lucas, Thales, Thamise, Bruno e eu em uma viagem de carro pela Côte d’Azûr, a costa sudeste da França, em outro feriado prolongado, o que foi, de longe, a melhor viagem que fiz no ano.

Éramos sete brasileiros morando juntos, a divisão entre cubículos de 9m² que no início chamávamos de ‘nossos quartos’ já não fazia o menor sentido e tinha pouca utilidade. E por vezes ainda se adicionava à nossa companhia o Jorge, outro brasileiro que não tinha o seu cubículo na residência, mas nem por isso se sentia menos parte da família, pois é o que éramos. E seremos.

Tínhamos uns aos outros e isso era tudo o que tínhamos, 24 horas por dia 7 dias por semana.

Sétima. A despedida.

Acabou o estágio. Minha mãe veio me visitar, matamos um pouco da saudade imensa e de quebra vimos muita coisa legal nos curtos 10 dias que passou aqui.

Mudamos de residência, tendo que dar adeus a tudo que foi vivido na antiga residência Puvis de Chavannes.

O Neil e o Pedro anteciparam a volta e foram pra casa no meio de julho. Os primeiros que se separam dos nossos.

Passei, em seguida, uma semana viajando. Munique, Londres e Amsterdam. Encontrando com o Thales em Londres e Amsterdam e com o Lucas em Amsterdam.

Voltei a Lyon, praticamente junto com o Lucas, que chegou apenas um dia depois. Passamos uma semana aqui em Lyon - Lucas, Rafael, Marcelo e eu. Na nova residência já não existia esse negócio de ‘meu arroz’, ‘minha caixa de hambúrgueres’, ‘meu pão’, ‘meu prato’, ‘meu copo’. Tínhamos simplesmente 4 quartos com coisas espalhadas por três deles e tudo era de todos. A divisão fazia ainda menos sentido que antes.

Foram se despedindo aos poucos. Marcelo e Rafael foram numa quinta feira no fim da tarde. Lucas foi numa sexta feira. Não sei quando e se os verei novamente.


Foram sete vidas. Sete etapas completamente diferentes durante um ano. Em que comecei como ‘eu’ e terminamos como ‘nós’. Todos juntos passamos pelas dificuldades e alegrias e as compartilhamos.

Fomos privados de muitas coisas das quais antes não nos dávamos conta da importância ou sequer da existência. Coisas que nós só podemos saber que existem quando não mais as possuímos ao alcance das mãos.

Aprendemos o significado e importância de casa. Algo onde nos sentimos seguros em toda e qualquer circunstância. Se TUDO der errado, temos um lugar que nos acolherá e nos deixará completamente seguros e confortáveis. O melhor lugar do mundo.

O Brasil. Eu particularmente não era muito orgulhoso ou feliz de morar no meu país. Pensava em outros países como o paraíso, sem nada daquilo que me irritava no Brasil. Sem pensar, porém, em tudo aquilo que só meu país tem e que tanto amo e dependo sem perceber. Se compararmos a infra-estrutura, a educação e todo esse blá-blá-blá que a gente já conhece de trás pra frente, o Brasil está longe dos países ‘desenvolvidos’ daqui. Mas a simplicidade, a humildade, a informalidade, a alegria sem motivo, enfim, o sorriso que nosso país tem é único. A conexão que podemos sentir uns com os outros no Brasil é única.

Não estou falando de um País das Maravilhas onde todos saem pulando, sorrindo, cumprimentando, e ajudando velhinhos a atravessar as ruas. Isso só existe nos filmes da Xuxa. Claro que muito do Brasil, sobretudo as grandes cidades, já foi infectado pela pressa do humano moderno, quebrando essa conexão humana. Mas, ainda assim, se soubermos procurar, acharemos o sorriso.

Escrevo esse texto hoje, no dia 9 de agosto de 2010. Faltam seis dias pra eu voltar pra minha casa. Na verdade, uma das minhas casas, pois tenho, no mínimo 3 lugares que posso chamar de casa no Brasil. Ainda não posso, pois, dizer das sensações e emoções de voltar pra casa. De sentar no sofá da minha sala, na minha casa, rodeado por minha mãe, meu pai e meu irmão conversando e rindo de qualquer besteira. Mas posso dizer que não me lembro de ansiar tanto e com tanta felicidade por um momento quanto anseio, agora, por esse.

Encerro assim os posts deste blog. Pelo menos os enviados da França. Talvez escreva ainda algo de lá onde canta o sabiá, pois as aves que cá sorriem, não sorriem como lá.

Sorria!

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Short Story 5 - Um Pouco de Sorte Ajuda

Projeto Verbete – verbete da vez: memória

Quem me conhece sabe, eu sou um cara um tanto desligado. Não tenho boa memória, saio esquecendo as coisas fácil, fácil. Já tentei até tomar uma tal de lecitina de soja, que tinha gosto de suco de uva estragado, que disseram que era bom pra memória. Não adiantou.

Quinta-feira da semana passada, dia 11 de fevereiro, juntamo-nos alguns aqui da Puvis e fomos ao McDonald’s aqui perto. Já era bem tarde, mais de 11 da noite. Mas bateu a fome, fazer o que?

Enfim, chegando lá, todos faziam seus pedidos. Eu estava no borne de auto-atendimento, aquele que você escolhe seu pedido na tela, põe o cartão, a senha e pronto; vai pegar o pedido no balcão. Esse borne tem uma coisa estranha: assim que você inicia seu pedido ele já pede pra botar seu cartão na fenda do lado. Não sei por que, mas mesmo que você só queira olhar os preços dos sanduíches você tem que botar o cartão. Então assim fiz. E comecei a fazer o pedido.

Queria o tal do Premio, um novo sanduíche do McDonald’s que tem parmesão, mas no borne dizia que estava indisponível. Tentei de novo, nada. Cancelei o pedido e fui ao balcão perguntar pra atendente se estava mesmo indisponível, e não estava. Pedi-lo então, paguei com dinheiro e subi as escadas pra comer com os outros que já estavam lá.

Voltamos pra casa mais de meia-noite. Felizes, contentes e de barriga cheia. Fui dormir, porque no dia seguinte tinha de acordar às 6 da manhã pra pegar um trem as 7 e meia pra Paris.

Acordei. Tomei banho, tomei um iogurte, escovei os dentes, botei a mochila nas costas, passagens no bolso e saí pra parada de tramway. Ia pegar um tramway direto pra estação de trem. Eram 7 da manhã.

Quando entrei no tramway abri a carteira pra pegar o cartão de transporte pra validar na maquininha. Foi quando percebi: cadê meu cartão de crédito? Na mesma hora me veio a imagem de eu colocando o cartão no borne do McDonald’s e cancelando o pedido, deixando o cartão enfiado na máquina. E agora? To saindo da cidade em menos de meia hora e só volto daqui a 4 dias! Aí começa a sorte à qual o título se refere.

Lembrei que essa linha de tramway passa na Charpennes, que é a parada do McDonald’s. Era só eu descer na parada, pegar meu cartão no McDonald’s e torcer pro próximo tramway não demorar muito. Mas eram 7 da manhã! Nada está aberto a essa hora. Mas era meu dia de sorte.

Desci na Charpennes, fui ao McDonald’s e – sim! – tinha alguém lá dentro já! Estava aberto. Há mais ou menos uma semana haviam instalado nesta loja do McDonald’s um McCafé, e, por isso, ele começou a abrir mais cedo: às 7! Entrei e perguntei pra moça se alguém havia encontrado um cartão de crédito nos bornes. Enquanto ela foi procurar nos fundos da loja, eu dei uma olhada no borne, e, sim, estava lá o garoto! Enfiado na maquininha do jeito exato que eu o havia deixado na noite anterior! Catei e saí correndo pra pegar o próximo tramway que já estava passando.

Cheguei à estação a tempo, entrei no trem e dormi durante todas as duas horas de viagem.

*Ouvindo – ‘Bobby McFerrin – Simple Pleasures’

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Short Story 4 – Camille no Louvre

Era o dia 12 de fevereiro de 2010. Ou melhor, era a noite de 12 de fevereiro de 2010. Tinha chegado na manhã deste mesmo dia à Paris para assistir a um show para o qual já havia há tempos comprado o ingresso, por 14 euros. O show era da cantora francesa Camille, uma sensação da música experimental francesa que também estourou com alguns pop hits.O show era no auditório do Museu do Louvre. Pois lá fomos.

Estávamos eu, Marcel - meu hospedeiro, como de costume – a Juliana e o Flávio. Eles não tinham ainda o ingresso, mas como também gostam da música da Camille, fomos à bilheteria perguntar se ainda havia ingressos à venda. Quando perguntamos sobre o ‘show da Camille’ a mulher da bilheteria já interrompeu dizendo que não era um ‘show’, era uma exibição de filmes mudos franceses da década de 1910 para os quais a Camille e o DJ Thy tinham adaptado uma trilha sonora, Camille não cantaria na noite. Bom, né?

E tem mais! Tinha ingresso disponível. Por 5 euros. Quase 3 vezes menos do que eu paguei. Mas tudo bem.

Aproveitamos que ainda tínhamos mais de uma hora antes do início do “show”, entramos no Louvre pra dar uma olhada. Todo mundo sabe que entrar no Louvre pra dar uma olhada significa: “Ver a Monalisa e sair”. Pois foi o que fizemos. Depois de brigar com o exército de turistas chineses por um lugar na frente do minúsculo quadro de Leonardo da Vinci voltamos ao auditório para comprar os ingressos e assistir o “show”.

Entramos, sentamo-nos e esperamos. No palco uma tela para projeção e, no canto esquerdo, uma mesa de DJ. As luzes se apagaram e a tela branca no palco se iluminou. Do canto esquerdo da cortina surge um cidadão com estatura de pigmeu, de meias brancas – sem sapatos -, barra da calça jeans dentro das meias e um chapéu branco que parecia um algodão doce gigante. Gigante, eu disse. Era o DJ Thy.

Começa o primeiro filme: ‘Madame a des Envies’. Já de cara fomos pegos de surpresa pela voz da Camille falando o título com uma entonação estranha e traduzido pro português! “A mocinha tá com vontade’. Uma tradução um pouco esquisita, mas tudo bem.

Ao longo do filme - um curta que mostrava a saga de um homem com a esposa grávida que tinha os desejos mais bizarros - ficamos novamente surpresos com a aparição da voz de Elza Soares, cantando sambas clássicos como ‘Na Cadência do Samba’. A suspeita: ‘Ih! Tem dedo de brasileiro nesse negócio’.

O próximo filme mostrava uma greve de babás, ou enfermeiras que cuidavam de crianças. Algo assim. Pareceu-me que o recurso principal dos filmes daquela época eram os tombos. O policial, correndo atrás das grevistas atropela mesas de bar na calçada causando uma destruição total, pernas pra cima, copos e garrafas se quebrando no chão. Em todos os filmes, sem exceção, era dada ênfase aos tombos catastróficos.

Outro assunto recorrente nos filmes era o feminismo. Não sei se isso é da época ou se os filmes foram escolhidos propositalmente com esse tema. Um dos filmes se chamava ‘La Femme Doit Voter’, isto é, ‘A mulher deve votar’. Outro mostrava uma mulher que conseguia um emprego de motorista, e saia pela cidade com seu calhambeque atropelando carrinhos de bebê. Novamente vários tombos catastróficos eram encenados.

Mas subitamente o centro de nossas atenções voltou-se às traduções do título de cada curta. Quando a tela mostrou o título em francês: “La Femme Doit Suivre Son Mari”, que normalmente seria traduzido como “A mulher deve seguir seu marido”, a voz da Camille surge novamente traduzindo: “A mulher deve seguir o seu macho”. O auditório todo quieto. Nós quatro explodimos na risada.

Nesse curta uma mulher saía de casa para fazer compras enquanto seu marido cochilava na mesa de almoço. Quando ele acordava, ela estava de volta, cheia de roupas e acessórios novos. Segue uma perseguição do marido atrás da esposa que, como não podia deixar de ser, destrói metade das coisas pelo caminho. Tombos e mais tombos.

Não sei bem o motivo, mas o fato de que só nós estávamos entendendo as traduções tornava tudo muito mais engraçado.

Próximo curta: ‘Une Femme Vraiment Bien’, em tradução normal : ‘Uma mulher muito bonita’. A voz da Camille novamente surge traduzindo: “Uma gostosa... muito gostosa... de parar quarteirão”. Explosão de riso de nós quatro, acompanhada por alguns olhares curiosos dos outros expectadores.

Uma mulher andava pelas ruas com um imenso vestido preto, usando um espartilho que a deixava parecendo uma ampulheta. Por onde ela passava distrai os homens e – olha que surpresa! – causa acidentes e tombos e destruição. Os bons dublês deviam ser os maiores astros de cinema nessa época.

No próximo curta, que já mencionei antes, um anúncio de jornal aparecia solicitando um motorista particular. A voz da Camille novamente anunciava: “Mulher no volante, perigo constante”. Uma mulher pegava o emprego de motorista e, pra surpresa de todos, saía destruindo a cidade toda.

Em outro momento de um outro curta um homem aparecia falando, obviamente sem som, mas seus lábio mexiam. Seu rosto aparecia em close, ele olhava pra câmera enquanto fazia seu monólogo. Tinha a aparência típica francesa tradicional, bigodinho fininho e fazendo uma curva, cabelo penteado e lambido pro lado. Eis que ele era dublado por uma voz acelerada, bem aguda, com sotaque carioca falando de todas as suas dificuldades como transexual. “Eu sou um travesti, sou uma bichinha... é muito difícil ser um travesti.”

No final da apresentação, a Camille surge do fundo do auditório e vai ao palco cantar “Água de Beber” com o DJ. Foi quando a gente percebeu que o DJ – sim, era ele o autor da folia! – era brasileiro!

Coloque um brasileiro com chapéu de algodão doce pra apresentar no auditório do Museu do Louvre pra ver no que dá. Isso. O cidadão só zoou os franceses o tempo todo, na cara deles. E eles amaram!

Mas, brincadeiras à parte, a apresentação foi muito boa. O trabalho dos dois juntos estava muito criativo. O tal do DJ Thy zoou, mas com criatividade, formando um belo trabalho junto com a Camille.

*Ouvindo – ‘Dream Theater – Six Degrees Of Inner Turbulence’

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Na Alemanha 11 – 23 de Janeiro de 2010

Acordei cedo, tomei banho, comi mais algumas bolachas e fui à Hauptbahnhof, de onde sairia o tour ao castelo de Neuschwastein. O tour é oferecido pela mesma empresa Sandeman’s. Dessa vez dei azar com a guia. Era uma canadense gordinha de um metro e meio de altura que falava com entonação de Telecurso 2000 e sempre olhando pro chão. Mas tudo bem. O mais legal do castelo é o cenário, e não a história, apesar da história ser também interessante.

Depois de 2 horas de trem e 10 minutos de ônibus chegamos ao castelo. Na verdade são dois castelos: o Neuschwastein e o Hohenschwangau. Subimos a montanha a pé, naquele frio. Uma parada pra descanso no meio ajudou a agüentar o tranco. Uns americanos ficaram pra trás.

O primeiro contato visual com o castelo de perto foi impactante. A neblina se combinava com o sol que subia por trás de uma das torres do castelo, formando linhas iluminadas na neblina, como se a torre do castelo em si estivesse emanando a luz do sol.

Pra entrar no castelo, seguindo um tour guiado de 35 minutos, pagamos mais 9 euros. Não valeu muito a pena. O interior do castelo é fantástico. A sala do trono e o quarto do rei são surreais. Mas não é permitido tirar fotos no interior do castelo e o guia parece um robô, com um script decorado em um inglês com sotaque carregado difícil de entender. Se alguém o interrompesse com uma pergunta, ele se perdia e não sabia o que fazer. Mas é bonito lá dentro, pelo menos.

Os dois castelos ainda são propriedade da família real da Bavária. Quando o Rei Ludwig II – rei que mandou construir os dois castelos – morreu, em 1860 e alguma coisa, ele deixou uma dívida tão grande que tiveram de abrir os castelos ao público apenas 6 semanas após sua morte, mesmo sendo desejo do rei que seus castelos fossem destruídos quando falecesse. A família real vem então, desde essa época, lucrando rios de dinheiro com o turismo no lugar.

Não há muito a falar sobre o lugar. As fotos definem melhor.

Voltamos então à estação central, já de noite. Tinha duas horas pra comer alguma coisa, entrar na internet pra mandar notícias tomar um banho e ir à estação encontrar a Laura e a Johanna. Nesse sábado a Johanna, a outra alemã que conheci em Lyon na mesma ocasião, pôde também ir.

Fiz tudo isso e lá estava eu, Às 20:00 na estação. Chegaram as duas, Laura e Joahanna, e íamos decidir pra onde iríamos. A Laura disse que a casa do Mikko, o amigo dela, era ali perto e ele havia dito para irmos lá pra decidirmos o que faríamos. No centro de Munique, chegamos ao prédio do cara. No elevador um lugar para por uma chave com a incrição “V.I.P.”. Entramos no elevador e ele subiu, sem apertarmos nenhum botão. Quando abriram-se as portas, estávamos na sala de estar do cidadão. Fraco.

Decidimos, enfim, em ir à Nero. Uma pizzaria com fama de melhor pizza de Munique. A mesma pira de fingir que éramos todos turistas continuaria. Desta vez a Laura e a Johanna fariam o papel de duas amigas holandesas viajando juntas. Novamente os garçons todos acreditaram, e conversaram, e perguntaram, e bateram papo, sendo muito mais simpáticos do que seriam se eles não ‘fossem’ estrangeiros.

A pizza da tal Nero era mesmo muito boa. Tinha a opção de vir com massa integral. Diferente, e muito bom. Mais uma vez a prova: na Alemanha come-se bem. Saímos da pizzaria e fomos ao bar de um albergue vizinho do meu, perto da Hauptbahnhof. Estávamos todos destruídos, muito cansados. Não demorou muito até desistirmos e nos despedirmos, cada um seguindo seu rumo.

Mas antes disso o Mikko resolveu fazer um truque de mágica com cartas. Disse pra eu pegar uma carta do baralho, eu olhei a carta, uma dama de espadas. Botei-a novamente no baralho e ele o embaralhou. Pediu pra que eu desenhasse uma arma num papel e, dizendo ‘1, 2, 3, Boom!’, apontasse a arma pro baralho, como se disparasse um tiro nele. Depois disso, pediu pra que eu procurasse a minha carta no baralho. E a mostrasse. Eu fiz. E a dama de espadas estava lá, com um buraco no meio, com bordas queimadas, como se tivesse sido atravessada por um tiro. Medo!

Num sei como ele fez isso, mas sei que ele me deu a dama de espadas furada pra guardá-la como lembrança da Alemanha. E eu guardei, ainda sem entender o que o cidadão aprontou.

Pois então. O sábado acabou. Fui dormir, planejando pro dia seguinte de ir andando pelos pontos principais da cidade que ainda não havia conhecido.

*Ouvindo – ‘Bobby McFerrin – Simple Pleasures’

Na Alemanha 10 – 22 de Janeiro de 2010

Acordei, tomei banho, comi umas bolachas que tinha na mochila e parti-me ao Free Tour. O ponto de encontro em Munique é na Marienplatz, ponto turístico principal da cidade. Lá o tour começou, às 10:45 da manhã.

Um famoso acontecimento se passa todo dia nesta praça às 11:00 da manhã: Glockenspiel. O relógio na torre da Marienplatz começa a tocar 62 sinos fora de tom, fazendo um barulho longe de ser música enquanto alguns bonecos começam a se mexer em um pequeno palco no topo da torre. A guia do tour passou 10 minutos só zoando do pequeno ‘show’. Tirava sarro das dezenas de turistas que se acumulavam na praça com suas máquinas em punho, prontos pra fazer um vídeo do ‘show’. O negócio é muito sem graça. Dura 15 minutos e nada acontece. Os bonequinhos se mexem e giram. E é só. O Glockenspiel ganhou o prêmio de segunda atração turística mais superestimada do mundo. O primeiro lugar foi de um ‘show’ de relógio muito parecido com este, só que fica em Praga e é 5 minutos mais longo.

Continuamos o tour. A história que a guia conta ao longo do caminho se resume em dois tópicos principais: Nazismo e cerveja. A cidade de Munique era considerada por Hitler como ‘Hauptstadt der Bewegung’ – Capital do Movimento. Seus monumentos e construções tem muito a contar sobre os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, mas talvez não tenha tanto a contar sobre isto quanto tem a contar sobre cerveja.

A cidade, sede da Oktoberfest, tem a cerveja incrustada em sua história. Passamos pela Hofbräuhaus, a ‘Meca’ da cerveja, uma das mais famosas cervejarias - ou Biergartens, pra ser mais exato - do mundo e onde, hoje em dia, se encontra a maior concentração mundial de chineses à noite. Passamos pela praça onde tem o ‘Maple’ de Munique, tradicional símbolo das cidades do estado da Bavária: um alto poste de madeira pintado de azul e branco – cores da Bavária. Neste poste colocam-se esculturas representando cenas culturais ou típicas da cidade. O Maple de Munique tem seis dessas esculturas. Todas ligadas a cerveja. Um camponês levando barris de cerveja com um carro puxado por cavalos, os brasões das 5 principais marcas de cerveja da cidade, um padre carregando uma rama de trigo, pra fazer cerveja... e outros. A cidade passou por duas grandes revoltas públicas chamadas Primeira e Segunda Revoluções da Cerveja. Certa vez, o rei aumentou o preço da cerveja de 6 pra 7 unidades do dinheiro da época. Dez mil pessoas saíram gritando e quebrando tudo no centro da cidade até que o rei decidiu voltar o preço ao normal. Outra vez o rei decidiu proibir os Biergartens de funcionarem depois das 9 da noite. Mais quinze mil pessoas desceram em passeata pela cidade, e o rei voltou atrás na sua decisão.

É. Em Munique, com cerveja não se brinca.

Ao longo do tour passamos por vários pontos interessantes. Uma catedral que foi inteira destruída por bombardeios na segunda guerra, com exceção de suas torres, que foram deixadas de pé pra servir como ponto pra orientação dos aviadores, como naquela época não existia GPS. Uma janela de uma igreja com uma bala de canhão incrustada em sua moldura de tijolo. Os prédios que foram destruídos na segunda guerra e estão ainda hoje sendo reconstruídos exatamente como eram antes, tendo como guia fotos tiradas de cada detalhe da arquitetura quando os oficiais souberam que o bombardeio da cidade era inevitável.

O tour terminou. Tinha mais duas coisas marcadas pro dia. Ir ao Alianz Arena com o Ronaldo, às 14:30 e depois combinei com a Laura, a alemã de Munique que conheci no albergue em Lyon na minha primeira semana, de nos encontrarmos na Hauptbahnhof às 20:00.

Ok. Cheguei ao albergue, na hora combinada. E, como de costume, ninguém apareceu. Esperei até as 15:30. O tiozinho não ia mesmo vir. Tudo bem. O Alianz Arena fica pra outro dia.

Saí pra comer alguma coisa e dar uma volta pelos quarteirões em torno do albergue. Não encontrei nada de mais.

Voltei ao albergue e fui tomar banho. Um pouco antes das 20:00 cheguei à Hauptbahnhof, e a Laura chegou lá às 20:00. Jovem! Um desperdício ter namorado. Mas enfim...

A gente ficou esperando lá até um amigo dela chegar. O Nikko, ou Mikko, ou Miko, ou Kiko, sei lá. Algo assim, o nome do cara. O cara era gente boa. Meio esquisito, mas gente boa.

Depois de um tempo pra decidirmos onde iríamos, decidimos ir no show de um amigo do Mikko, num café não muito longe da estação. Ele tinha o endereço, era 72, ???strasse. Não lembro o nome da rua, é claro. Achamos o número 72, que correspondia a um calmo e escuro prédio residencial. Nada de café. Meio sem esperança de achar o lugar, andamos pra cima e pra baixo da rua, procurando algum café. Até que, no fim da rua, vimos o número 71, uns 300 metros distante do número 72. Não entendo a numeração das ruas alemãs. Terminou que, afinal de contas, era mesmo 71 o número do lugar, e não 72. Chegamos no lugar a tempo de ouvir duas músicas tocarem e o show acabar.

Saímos e fomos a um bar chamado Worker’s que ficava ali perto, onde eles, a Laura e o Mikko, tiveram a idéia de fingir que eram também turistas. Fazer os pedidos em inglês e ver como os garçons tratam os turistas. O Mikko seria o Steve, da Austrália, e a Laura era a Lola, de Estocolmo. Eles se divertiam. Perguntavam como falar as frases em alemão; falavam, com sotaque, frases famosas da Oktoberfest perguntando o que elas significavam. Fazendo a festa. O Mikko perguntou pra um dos garçons, que era da Turquia, se ele achava os alemães muito frios, e ele respondeu que sim. Que era muito difícil de fazer amizades na Alemanha. O Mikko achou o máximo, disse que nunca ouviria isto se não estivesse fingindo ser estrangeiro.

No meio da atuação, quando todos os garçons e garçonetes já sabiam que éramos ‘estrangeiros’, chega, na mesa ao lado, a banda do amigo do Mikko, e começa a conversar com ele. Em alemão!

Acho que os garçons não perceberam nada, porque rapidinho o Mikko explicou pra eles o que a gente estava fazendo e eles começaram a falar só em inglês com a gente também.

A Laura estava com medo de eles descobrirem que estavam fingindo, e quase não falava nada.

Fiquei conversando com o Daniel, o vocalista da banda. Um muniquense nato! Cheio dos costumes da Bavária. Ensinou-me a maneira bávara de cumprimentar. Tanto pra dar ‘tchau’ como ‘oi’ eles dizem ‘Servus!’. Brute! E eles usam isso mesmo. No sul da Alemanha os jovens usam muito esse cumprimento entre si, mesmo fora da Bavária.

Lá pela 1 da manhã saímos e voltei ao albergue. Combinamos de nos encontrar no dia seguinte, sábado, na mesma hora na Hauptbahnhof.

Tinha que dormir logo. No dia seguinte ia acordar cedo para ir ao castelo de Neuschwanstein, um dos destinos mais famosos da Bavária.

*Ouvindo – ‘Jamiroquai – Travelling Without Moving’

Na Alemanha 9 – 21 de Janeiro de 2010

Só faltava uma coisa pra fazer em Colônia: subir na torre da catedral. Aqui pela Europa quase toda cidade tem um lugar pra subir. Eles gostam disso, num sei por quê. Em Lyon você sobe na colina de Fourvière pra ver a cidade lá de cima. Em Paris você sobe no Arco do Triunfo, na Torre Eiffel ou na Sacré Cœur. Em Genebra tem a Catedral de St. Pièrre. Em Milão você sobe na Catedral do Duomo. Em Berlim tem a Fernsehturm na Alexanderplatz. Em Dusseldorf a Rheinturm. E em Colônia, claro, a Kölner Dom, a famosa e imensa catedral. Alguns desses lugares, os mais modernos – como a Fersehturm, a Torre Eiffel e a Rheinturm –, tem elevadores, pra te levar ao topo. Nas catedrais não. Geralmente nessas construções mais antigas uma escada em espiral quase vertical te leva ao topo. E, lembre-se: a catedral de Colônia é a mais alta da Europa. Suas torres podem ser vistas da Rheinturm em Dusseldorf, em dias de sol. E eles ainda cobram pra você subir na tal da catedral. Eu, turista, feliz, animado, penso: vale a pena. São só 3 euros. Vou subir na catedral de Colônia, uma das mais famosas do mundo. Vâmo que vâmo!

É. Vai nessa...

Peguei meu ticket, todo pimpão, comecei a subir as escadas. E elas não acabavam. Nunca. Eu olhava pra cima e só via mais degraus acima de mim, denunciando mais uma volta no espiral, no mínimo. Enfim vi uma luz vinda de uma porta na parede da escada. Já derrotado pelo cansaço juntei minhas forças, apertei o passo e, quando cheguei à porta, vi que a escada continuava além da porta. Esse era só uma parada no meio do caminho, na sala dos sinos. Andei em volta dos sinos, pra tirar fotos e descansar, pensando: ‘deve estar chegando no topo. Tá acabando’. Otimismo é tão bonito, né? Mas eu estava errado...

Saí da sala dos sinos e continuei a subida, quando vi uma placa anunciando que eu estava um pouco além da metade do caminho. Bom, né? Muito bom.

Continuei, continuei. Uma hora, pra minha alegria, percebi que a escada acabava, era a última volta do espiral. Juntei forças de novo e cheguei ao topo! O caminho seguia por um pequeno labirinto até chegar num salão principal, bem abaixo de uma das pontudas torres. E no centro dessa salão o que vi? Sim, claro. Mais escadas.

Daí pra frente não lembro bem o que aconteceu, só sei que cheguei lá em cima, sem conseguir falar direito, tirei umas 5 fotos, não muito boas, porque a visão é prejudicada por uma grade de arame trançado bem fino, onde mal passa a lente da câmera, pra conseguir boas fotos. Desci e fui ao albergue pegar minhas coisas pra ir ao aeroporto.

Conselho: se for a Colônia, vá à catedral, entre nela, veja o órgão, a urna de outro no fundo do altar, as velas acesas em seus suportes, mas não suba na torre. Não faça isso com você. Sério!

Enfim. Subi no trem e fui ao aeroporto. Dessa vez nada de companhia aérea de baixo custo! Air Berlin. Aeroporto grande, bem organizado, fácil de chegar, lanchinho gratuito durante o vôo. Maravilha. Pude até despachar minha mochila gigante! Tá muito fácil.

Cheguei a Munique e já fui logo pro metrô pra ir ao centro da cidade, na Hauptbahnhof – estação central –, onde ficava meu albergue. O ticket é uma facada. Dez euros!

Cheguei ao albergue e, quando tinha terminei de me instalar no quarto, já era de noite. Esse foi o melhor albergue dos 4 que fiquei. Euro Youth Hostel. A 2 minutos da estação central, camas confortáveis, lençóis novos e cheirosos, funcionários muito simpáticos e com inglês perfeito e fácil de entender, um bar no lobby do albergue, que fica sempre passando um canal de Sport na TV de plasma, cheio de gente conversando nas mesas e eles oferecem até um Wii pra você jogar de graça.

Fiquei nesse bar, no computador. Não demorou muito pra conhecer pessoas. Dois brasileiros, um de São Paulo e outro de Salvador que tinham se conhecido ali mesmo no albergue. Ficamos ali conversando, experimentei a famosa Augustiner, cerveja de Munique que existe desde 1368. É a preferida da maioria dos muniquenses. E esses caras levam cerveja a sério. A história e costumes da cidade são todos baseados em cerveja. No bar, por 2 euros o barman vira uma garrafa de meio litro de Augustiner amarela e fosca num copo de 30cm de altura. A melhor cerveja que experimentei na Alemanha.

Dormi meio cedo pra ir no Free Tour da Sandeman’s no dia seguinte. Combinei com o Ronaldo, o brasileiro de São Paulo, de estar ali no bar no dia seguinte às 14:30 pra irmos conhecer o Alianz Arena, o famoso estádio de futebol com arquitetura futurística.

E o dia acabou.

*Ouvindo – ‘Van Dyke Parks – Jump!’

Na Alemanha 8 – 20 de Janeiro de 2010

Um dia meio livre. Nada planejado pro dia, Colônia é uma cidade pequena. Depois que você conheceu a catedral não há muito mais o que explorar.

Antes de sair andando sem rumo pela cidade resolvi ir ao lounge pra mexer um pouco no computador. Lá conheci um cara de Nova Iorque, não me lembro o nome do cidadão. Aquele jeito típico americano, dono do mundo, mas muito gente boa. Perguntei se ele gostava de Nova Iorque. Óbvio. Perguntar para um nova-iorquino se ele gosta de Nova Iorque é a mesma coisa de perguntar pra um francês se ele gosta de queijo. Mas ele me disse que, se eu quisesse ir visitar a cidade, que eu não vá no inverno. Quando ele saiu de lá estava fazendo -15° com 30cm de neve pelas ruas.

Saí do albergue. Câmera fotográfica num bolso, mapa no outro e sem nenhum rumo. Acabei parando num pequeno parque, ou uma grande praça gramada, sei lá. Era por volta de meio-dia, e algumas crianças brincavam. No céu não tinha uma só nuvem. Azul. Um grande disco que uma das crianças girava, andando sobre ele, como em uma esteira de ginástica, enquanto as outras ficavam sentadas na borda, girando e achando o máximo.

Fui então para o centro da cidade. Andando pelas movimentadas ruas de comércio perto da catedral. Logo no início da rua uma placa em uma confeitaria brilhava: “Kölner Brezel”. Um legítimo pretzel em Colônia, não podia perder. Uma maravilha com amêndoas e chocolate. Novamente, na Alemanha come-se bem. Voltei pro albergue e tomei um banho para ir ao concerto.

Dessa vez as pessoas no concerto eram mais variadas. Tinha gente de todo tipo. E eu, sem minha toca, destoava menos. Mas meu casaco Michelin ainda atraía olhares tortos dos cults com blusas de lã de gola ‘V’ e cachecóis multicoloridos.

O concerto foi muito bom. A orquestra era absurdamente precisa e o maestro bem caricato, pareciam aqueles de desenho animado. Tocaram Tchaikovsky e um outro autor contemporâneo que não conheço, mas pareciam músicas da trilha sonora de Lost.

Voltei pro albergue e dormi. Dia seguinte pegaria o avião ao meio dia pra Munique!

*Ouvindo – ‘A.C.T. – Imaginary Friends’

Na Alemanha 7 – 19 de Janeiro de 2010

Último post de Dusseldorf. Hora de falar sobre as pessoas do quarto. Em Dusseldorf, você não encontra muitos turistas. É uma cidade que não tem muita coisa. Então os hóspedes de lá estavam, na maioria, estudando ou trabalhando na cidade. Assim, só os via a noite. Na primeira cama, mais perto da porta, estava Judi, uma francesa, de Lyon – olha a coincidência – que está em Dusseldorf estagiando. Ela estuda língua alemã. A gente falava em francês, e aprendi com ela que ‘tomada’ – essas de energia, que ficam na parede – em francês chama ‘prise’. Conheci uma outra menina na cama de cima de um dos beliches, ela era portuguesa, mas não lembro do seu nome. Ela está em Dusseldorf trabalhando. Conversávamos em português, e ela me disse q não tinha muita coisa legal pra ver em Dusseldorf. Tinham outras pessoas no quarto, mas não cheguei a conversar mais com elas.

Dia de viagem. Dia de arrumar as coisas, fazer o checklist mil vezes antes de fechar a porta do albergue atrás de mim. Ainda mais depois de ter perdido minha câmera, a paranóia aumentou.

Saí, efim, e fui à Galeria Kaufhof – é uma Lojas Americanas da Alemanha, tem de tudo e tem uma em cada esquina, só que é menos colorida que sua prima brasileira escandalosa. Comprei minha câmera, e saí pra estação de trem. Meia hora de viagem até Colônia, onde, de longe, antes de atravessar o rio, já conseguia ver as imensas torres da catedral. Desci na estação principal e fui direto pro albergue. Uma caminhada de uns 3 minutos.

Depois de deixar minhas coisas no quarto, fui passear um pouco pela cidade. Voltei logo, já estava escurecendo. Esses dias de inverno são minúsculos. Comprei um ingresso para um concerto da Orquestra do Teatro Mariinsky de São Petesburgo na Filarmônica de Colônia, no dia seguinte.

De volta ao albergue fiquei escrevendo no lounge, onde o sinal Wi-Fi funcionava. Um problema: o lounge era área para fumantes, então depois de algumas horas ali, minha garganta acabou-se e minha blusa ficou com um agradável aroma de cinzeiro.

Saí pra comer alguma coisa. Alguma coisa típica, tinha que ser! Ao lado do albergue tinha um barzinho medieval chamado Dominikaner. Entrei, pedi uma ‘Bratwurst mit Kartoffelsalat‘ (salsichão frito com salada de batatas) e uma Gilden Kölsch, a famosa cerveja da cidade. Tava uma maravilha. Voltei sorridente pro albergue. Na Alemanha come-se bem!

*Ouvindo – ‘Pat Metheny – Speaking Of Now’

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Na Alemanha 6 – 18 de Janeiro de 2010

Acordei às 9 da manhã. Depois de 14 mágicas e renovadoras horas de sono. Tomei um banho e fui checar o café da manhã do albergue, que era incluído na diária. Tinha café – fraco, mas tomável - leite, pão de forma, torradeiras – para o pão de forma, claro -, mel, geléia, um patê de sabor indefinido e manteiga. Pra um albergue, este era um café da manhã muito bom. E eu aproveitei, é claro. Mandei goela abaixo tudo que tinha direito.

Peguei meu computador e sentei em frente a televisão do albergue. Sentia-me tão confortável, tão satisfeito por não estar cansado, que não queria sair daquela poltrona. Em uma situação como essa a gente tem que criar um plano. Você segue o plano, do contrário, não sai do lugar.

Disse pra mim mesmo que ficaria ali até meio dia, guardaria minhas coisas e iria dar uma volta na cidade. Andar por umas ruas, entrar em umas lojas, ver o rio Reno, ver a Torre do Reno, comer alguma coisa e voltar pro albergue pra tirar o atraso de 3 dias de posts no blog, sentando na mesma cadeira.

Pois foi o que fiz. Saí, comi o tal do BigRösti e o McRib - sanduíches do McDonald’s que, até onde eu sei, só existem na Alemanha, e eu não podia deixar de experimentar - comprei uns livros numa livraria imensa perto do albergue, subi na Torre do Reno e voltei pro albergue. Escrevi até meia noite, quando fui arrumar minha mochila e dormir.

No dia seguinte iria pra Colôôônia! Köln!

Tá. Esse post foi sem graça. Mas, no final das contas, esse dia serviu pra uma coisa. Quando você planeja uma viagem longa, e vai passar por cidades muito grandes como Berlim com poucos dias pra conhecê-las, coloque, no meio da viagem, uma cidade pequena e agradável, sem muito que fazer, fique em um hotel ou albergue confortável e descanse, para continuar aproveitando o restante da viagem. Senão a viagem acaba rápido.

*Ouvindo – ‘Uns americanos bebendo e berrando na mesa do lado, no lounge do albergue.’

Na Alemanha 5 – 17 de Janeiro de 2010

Depois da maratona dos últimos dias, somada a poucas horas diárias de sono, é imaginável o estado de exaustão que eu me encontrava nesse fim de estadia em Berlim. Como se não bastasse, tinha que acordar às 4 da manhã para conseguir pegar uns 10 metrôs até chegar a tempo no aeroporto para meu vôo pra Düsseldorf. Malditas empresas aéreas de baixo custo e seus aeroportos alternativos distantes.

Na noite anterior fui dormir por volta da meia noite, arrumando minha mochila e passando as fotos pro computador, o que se mostrou, depois, de imensa utilidade.

Acordei, pois, às 4 da manhã. Comi alguma coisa, mais dormindo do que acordado, e parti-me, com uma mochila de 10kg nas costas, para a estação de metrô mais próxima. A rua do albergue, com iluminação original a gás, exibia sua atmosfera sombria. Nenhum movimento, nem um ruído. Exatamente como sempre foi há décadas. Um clima medieval não muito amigável.

Depois de incontáveis trocas de metrô, cheguei ao aeroporto. Para entrar na sala de embarque tinha que colocar minha mochila naquela cesta de metal que checa o tamanho máximo da bagagem de mão. Etapa apreensiva, pois minha mochila tinha crescido consideravelmente, fruto de um pouco de compras e um bocado de desorganização. É impressionante a velocidade com que a entropia de uma mochila aumenta em uma viagem como essa. Mas tudo bem. Apertando, a mochila entrou.

Não lembro exatamente dos detalhes dos fatos passados desde o momento que entrei no avião até chegar ao albergue em Düsseldorf. Meu cansaço era tanto que, se não estava pesadamente adormecido, estava em estado profundo de ausência mental. Estava em outro lugar. Longe!

Sei que peguei o avião, cheguei a um aeroporto fantasma, com muita neve e neblina. Me senti no filme ‘Uma Fenda no Tempo’. Novamente amaldiçoei as empresas aéreas de baixo custo. Esperei algum tempo no aeroporto até sair o ônibus que ia a Dusseldorf, peguei este ônibus e, após o que me pareceram poucos minutos, mas na realidade foi de uma hora, estava na estação central de Dusseldorf. Deste ponto, sabia que deveria pegar um certo ônibus 725 para chegar ao albergue. Depois de sair andando de parada em parada de ônibus tentando descobrir onde pegava o ônibus, como comprava o bilhete e quanto tempo demoraria para ele chegar, desisti de tudo isso e peguei um táxi. Sabia mesmo que o albergue era bem perto e a corrida não ficaria cara. Entrei no Mercedão dum taxista que não falava inglês. Apontei o endereço do albergue no papel e falei ‘iá?!’, complementado com um simpático jóia com a outra mão. Ele entendeu. Algumas poucas frases de conversa no meio da viagem. Ele, não sei por que, achava quase óbvio que, sendo brasileiro, eu tinha família portuguesa e mostrou, orgulhoso, seu porta-moeda, segundo ele com patente portuguesa. Chegamos, paguei, desci e entrei no albergue. Louco por algumas horas de cama, entrei no albergue, mas a mulher da recepção estava limpando os quartos e eu tive que esperá-la no lobby.

Aí foi o momento em que acordei, e começo a me lembrar melhor dos acontecimentos. Coloquei as mãos nos bolsos do casaco, fazendo meu corriqueiro checklist das coisas que carrego.Luvas, passaporte, carteira, reserva do albergue, garrafa d’água, câm... Peraí. Cadê minha câmera. É sempre assim, alguns segundos de desespero até você explorar aquele outro bolso escondido e achar a câmera, e tudo fica bem. Já estava aliviado por antecipação, esperando este momento. Mas o ele não veio. A câmera não estava comigo. Em algum momento durante meu longo transe sonífero de Berlim a Dusseldorf ela tinha sumido.

Imediatamente fiquei aliviado por ter, na noite anterior, transferido todas as fotos para o computador. Mas o desespero continuava. Lembrei-me de ter tirado algumas fotos da decolagem do avião, então a câmera estava definitivamente em Dusseldorf, mas onde? Só pode ter sido no ônibus do aeroporto pra estação. Lembro de ter tirado o casaco e colocado no colo, fácil de cair algo do bolso. Peguei o ticket da viagem, vi o telefone de contato da empresa e liguei. O diálogo segue abaixo:

- Guten Tag. Achudia dcuid nuecipcoiud hcuuiopd – o atendente devia, julgando pela voz, ter uns 321 anos de idade e devia fumar desde os 8. O que disse depois do ‘Guten Tag’ foi indecifrável.

-Do you speak english? – perguntei, esperançoso.

-NEIN!

-Is there someone who speaks English?

-NEIN!

Ah, tá! Ok, então. Um abraço!

Arranhei ao máximo meu alemão macarrônico e ele entendeu que eu havia deixado minha câmera no ônibus que saiu do aeroporto de Weeze às 10:30 da manhã. Ele disse que o motorista ainda não havia chegado, mas quando chegasse ia procurar a câmera e ia me ligar. Passei meu telefone pro Matusalém do outro lado da linha e desliguei o telefone.

Fui ao meu computador, já utilizando o Wi-Fi do albergue, comecei a metralhar e-mail por todo meu trajeto sonâmbulo. Avisei o aeroporto de Weeze, que prontamente me respondeu que não havia nenhuma câmera no seu achados-e-perdidos. Avisei a desgraça da Ryanair, a tal empresa de baixo custo. Sem nenhum sucesso.

Finalmente a mulher da recepção terminou com os quartos e me levou à minha cama, onde deitei e fiquei na internet, mandando notícias pra casa e procurando mais pessoas que eu poderia encher o saco pra achar minha câmera. Um tempo depois meu telefone tocou, um número da Alemanha. Eu atendi feliz, achando que tinham achado minha câmera no ônibus. O diálogo segue abaixo:

-Alô! – Atendi em português mesmo, tô nem aí.

-Hallo! Im Bus gibt es keine Kamera! – ou seja, ‘No ônibus não tem nenhuma câmera’.

-Okay. Bye.

Bom, né? O único lugar onde eu ainda tinha esperanças de encontrar minha câmera me responde que não achou a câmera.

Lembrei, então, do taxista do porta-moeda português. Será que eu deixei cair na Mercedes do tiozinho? Quando pensei isso já tinham passados umas 3 horas desde quando chegara ao albergue. Como eu ia achar o taxista? Aproveitei que eu já estava com fome, fui comer alguma coisa perto da estação de trem, passaria no ponto e táxi pra ver se encontrava o tio. Era a última esperança.

Mesmo com meu cansaço falando que eu não sairia da cama, eu levantei e fui a pé até a estação. Cheguei lá e fui direto pro ponto e táxi. A fila de Mercedes estava lá no mesmo lugar. Saí andando procurando um velhinho de óculos, talvez sacudindo um porta-moeda do lado de fora da janela. No quinto táxi que olhei, lá estava! O tiozinho de óculos, com cara de tédio, esperando sua vez de pegar um passageiro. Cheguei na janela, demorou alguns segundos pra ele se lembrar de mim. Procuramos a câmera pelo carro todo... Nada.

Já conformado e de barriga cheia, voltei ao albergue. Tá beleza! Perdi a câmera, mas continuo aqui, na Alemanha, passeando. Só vou ter que dar um jeito de comprar uma outra câmera logo, pra continuar registrando a viagem.

Dormi às 19:00. Aliás. Não sei se ‘dormir’ é a palavra certa. Eu afundei na cama e sumi do mundo. Acordei 14 horas depois, no próximo post.

*Ouvindo – “Bobby McFerrin – Circle Songs”

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Na Alemanha 4 – 16 de Janeiro de 2010

Antes de falar sobre o último dia em Berlim, vou falar das pessoas que conheci no quarto. O primeiro que conheci foi o Tatsushi. Um japonês que mora na Alemanha estudando algo relacionado com história da cultura do Japão. Por que um japonês sai do Japão pra estudar na Alemanha sobre o Japão, eu não sei. Mas o cara era esquisito. Extremamente sistemático. Todo dia chegava no quarto lá pelas 6 da tarde, com exatamente 4 garrafas da famosa cerveja berlinense ‘Berliner Pilsner’, tirava o casaco, ficava só com uma blusa de lã preta, sentava no sofá, pegava sua meia preta, cuidadosamente enrolada e colocada no canto direito do sofá, calçava-a, colocava seu chinelinho japonês, pousava seu laptop no colo e ficava escrevendo e-mails e entornando as quatro garrafas de cerveja até de madrugada, quando desligava seu laptop, tirava o chinelinho, tirava a meia, dobrava-a, colocava-a no mesmo canto direito do sofá e ia dormir. Os três dias que estive lá o ritual foi exatamente o mesmo.

O outro companheiro de quarto era o brasileiro Philippe. Paulista estudante de administração. Está na Europa para estudar em Copenhagen. Antes de começarem suas aulas, está passeando pelos outros países. Baladeiro, diz que o melhor jeito de conhecer uma cidade é ir pra balada. Assim, dizia, você entra em contato com os nativos da cidade e vê o comportamento deles. Sai do mundo de turista. Interessante.

Vamos ao dia, então.

Meu último dia em Berlim. E não tinha conhecido NADA das coisas turísticas e wikipédicas da cidade. Só o Portão de Brandenburgo. Nos meus planos eu tinha deixado dois dias pra conhecer a cidade, o que já é pouco pra Berlim, mas a visita a Sachsenhausen, que era absolutamente imperdível, tomou um dia todo.

Tinha, agora apenas um dia – dia de inverno, que começa às 8:30 e termina às 16:30 – para conhecer o Jardim Zoológico de Berlim, que, aberto em 1844 e com mais de 15000 animais, é um dos mais antigos e maiores do mundo, e depois ainda conhecer o centro da cidade todo. Um dia, eu disse. Um dia.

Acordei às 8:00 e tomei banho, comi alguma coisa e fui pro Zoológico. Lá cheguei às 9:30. O Zoológico é fantástico! Mesmo no inverno, com 30cm de neve cobrindo tudo, você podia ver quase todos os animais. Todos ativos, andando, brincando, comendo; totalmente à vontade. Quase todas as espécies tem filhotes nas jaulas, o que mostra que os animais estão sendo capazes de se reproduzirem em cativeiro, ou seja, estão completamente à vontade no ambiente.

O urso panda rolava na neve segurando e mastigando um galho de bambu. Os ursos polares, alguns caminhavam pela neve e outros se deitavam preguiçosamente. Não sei qual deles era o tal do Knut, que virou celebridade mundial. Os únicos animais que me lembro que não estavam visíveis eram os elefantes e girafas, que não podem ficar nem na neve nem em pequenos ambientes fechados aquecidos. Os outros animais menores que não suportam frio ficam dentro de galerias, em jaulas grandes com uma parede de vidro. Dentro dessas galerias a temperatura e umidade são controladas, sempre que entrava em uma delas tinha que tirar os óculos, pois ficavam totalmente embaçados. A galeria dos primatas é fantástica. Muitos filhotes brincando, pulando e divertindo as crianças visitantes. Mas a melhor de todas as galerias era a dos hipopótamos. Um pequeno lago foi montado dentro de uma grande sala aquecida. Um dos lados desse lago é de vidro, podemos ver os hipopótamos nadando e brincando quando mergulham. Dois filhotes faziam a festa, pulavam da água, enchiam o saco dos maiores. Uma palhaçada.

Fiquei rodando no zoológico até as 11:30, e acho que vi metade de tudo que tem pra ver. Tinha que chegar ao Portão e Brandenburgo às 13:00, pra pegar o Free Tour da Sandeman’s e, antes disso, ainda queria passar na Alexanderplatz pra ver a Torre de TV e ainda tinha que comer alguma coisa. Saí do zoológico direto pra Alexanderplatz. Cheguei, olhei a Torre de TV, imensa com seus quase 380m, tirei umas fotos e já saí procurando um bom e velho Kebab. Catei um na própria estação do metrô, e já saí correndo, com o Kebab na mão - imagine a cena - pra pegar o metrô pro Portão de Brandenburgo.

Cheguei ao ponto de encontro da Sandeman’s, peguei meu ticket do Free Tour e esperei. Enquanto eu fui comprar um croissant de salsicha na padaria do lado – não, o Kebab não foi suficiente. A guia começou o tour, e, quando eu voltei, sai correndo atrás deles, mas ela ainda não tinha falado nada importante. Cheguei e ela começou a se apresentar. Se chamava Summer, era da Califórnia e estudou algo relacionado a arquitetura e artes da Europa, algo assim. Durante a graduação ela veio pra Berlin, ficou um dia e se apaixonou. Voltou pros EUA, pegou o diploma em uma segunda-feira e na terça-feira seguinte estava num avião indo pra Berlim. Ela lidera sozinha um dos principais tours da Sandeman’s em Berlim, chamado ‘Alternative City Tour’, que dá uma volta mostrando a cidade em termos de cultura e arte de rua.

Começamos o tour na Pariserplatz, onde temos as quatro coisas importantes listadas abaixo, seguidas das respectivas explicações dadas por Summer:

· O Portão de Brandenburgo – originalmente construído para representar a paz na cidade, e, assim, a mulher lá em cima foi batizada de Eirene, Deusa da Paz. Porém, quando Napoleão tomou a cidade, mandou tirar a estátua de lá e colocá-la no Louvre. Quando a Alemanha se restabeleceu, mandou trazer de volta a estátua, colocá-la no Portão e rebatizaram a mulher dos cavalos como ‘Victoria’, a Deusa da Vitória, e a Praça em frente ao portão se chama ‘Praça de Paris’, ou seja, como concluiu a guia, ‘Vitória sobre Paris’. E aí, Pedro? A história procede?

· A Embaixada dos EUA – bom, esse era importante porque a guia era americana.

· A Embaixada da França – cuja arquitetura que pode ser definida em uma palavra: feia. O andar de baixo é de pedra nua e sem acabamento, com pequenas janelinhas retangulares, parecendo um Bunker, no meio de Berlim. Sugestivo, né?

· O Adlon Hotel – o hotel mais luxuoso e caro de Berlin. Uma noite na suíte de luxo custa 12000 euros, e não inclui café da manhã, que custa 600 euros adicionais por dia. Foi neste hotel que o célebre e já falecido Rei do Pop agarrou seu filho e chacoalhou-o, carinhosamente, na janela.

Continuando o tour, passamos pelo Memorial aos Judeus Mortos na Europa. Um quarteirão ao lado do Portão de Brandenburgo cheio de blocos imensos de ardósia de 20 cm a 4.8 metros de altura que formam um labirinto quadriculado pelo qual você pode passear. Demorou mais de um ano para ser construído e custou 25 milhões de euros. Segundo a guia, o arquiteto que projetou o memorial, quando perguntado sobre o significado do monumento, disse que ele o projetou para significar o que quer que signifique pra quem andar entre suas imensas pedras. Pra mim, o memorial passou o sentimento de desespero, desesperança e confusão. Enquanto anda, o caminho a frente parece muito mais longo do que realmente é, assim como as pedras do seu lado parecem ter quilômetros de altura. Você se sente pequeno, insignificante e preso neste estado. Os cruzamentos entre caminhos te deixam confuso, e é impossível saber se tem alguém vindo no outro caminho até você chegar no cruzamento e esbarrar com a pessoa. Bizarro.

Depois seguimos para um estacionamento aparentemente normal, um pouco mais ao sul. Em volta viam-se apartamentos de luxo do lado socialista de Berlin, na época da Guerra Fria. Mas, embaixo dos nossos pés, estava o ‘Führerbunker’, o Bunker construído por Hitler para sua própria proteção. Onze metros abaixo da terra começa a parede de 3 metros de concreto do bunker. Quando os soviéticos tomaram Berlin eles tentaram destruir o bunker com bombas, mas, obviamente, a construção era à prova de bombas. Então eles fizeram buracos nas paredes e deixaram o solo pantanoso de Berlim encher o antigo recanto do Führer com terra pútrida para sempre. Apenas uma tímida placa com algumas informações lembra o local onde Hitler morreu. No mais, apenas um estacionamento como outro qualquer, a não ser pela peculiar preferência que os berlinenses tem de levar seus cachorros para passear neste local. Andar alí sem olhar para o chão pode ser meio perigoso.

Mais à frente passamos pelo antigo quartel general da força aérea nazista. Hoje o prédio exibe uma pintura do que chamavam, na época que este prédio estava do lado socialista de Berlin, de realismo socialista. Na verdade era propaganda comunista. Um imenso painel, com várias pessoas, todas da mesma altura, todas sorrindo. Um homem de terno e gravata cumprimentava, sorridente, um outro com roupas de trabalhador, e várias outras cenas que existiriam no estado socialista perfeito.

O resto do tour foi legal, mas nada demais. A guia falou de arquitetura, falou da queda do muro, passamos na frente de um pedaço conservado do Muro de Berlim, e por aí foi. Às 17:00 o tour acabou. Eu tinha combinado de encontrar o brasileiro que conheci no albergue no Portão de Brandenburgo a essa mesma hora pra irmos na Hooters, uma franquia americana de bar. Pois lá cheguei, e nada do cidadão chegar. Tinha reservado um lugar no cinema pela internet essa noite, mas não ia ao filme, porque tínhamos combinado a Hooters. Depois de meia hora esperando, resolvi ir pro cinema, que pelo menos fazia alguma coisa nessa noite. Peguei dois metrôs pra chegar lá. Entrei na fila. Quando faltava duas pessoas na minha frente meu celular toca. É o cara dizendo que tinha se perdido e por isso atrasou, mas tava lá no Portão já, me esperando. Peguei mais dois metrôs pra voltar pro Portão. Fomos à hooters, comemos um belo de um sanduíche e voltamos pro albergue, depois de um dos dias mais cansativos da minha vida, mas um dos mais bem aproveitados.


*Ouvindo – “Sufjan Stevens – The Barbeque”

Na Alemanha 3 – 15 de Janeiro de 2010

Neste meu segundo dia em Berlim, eu passei o dia todo em Sachsenhausen, o campo de concentração, mas de noite fui a um concerto no auditório da Filarmônica de Berlim. Infelizmente não era um concerto DA Filarmônica de Berlim. Quando fui comprar ingressos, uma semana atrás, os concertos da Filarmônica estavam todos esgotados. Então comprei ingressos para um concerto na sala de música de câmara da Filarmônica. Não fazia a menor idéia do que iriam tocar naquela noite.

Cheguei lá às 18:30, uma hora e meia antes do início do concerto, resgatei meu ticket no caixa, entrei, deixei meu casaco e mochila com a mulherzinha que fica com os casacos e mochilas e fui esperar na mesa do bar que tem ainda do lado de fora da sala do concerto. Comecei a perceber que eu destoava um bocado do restante dos presentes. Eu, com minha blusa vermelha de lã, uma toca cinza de flamenguista do morro, calça jeans surrada e bota de couro suja, não pertencia ao mesmo mundo que os velhinhos de terno e gravata e penteados lambidos impecáveis e velhinhas com casacos de pele e cachecóis roxos.

Às 19:00 percebi que começava um movimento incomum no andar de cima. Subi e vi que tinha um piano ao lado de duas poltronas e uma pequena platéia sentada em frente, esperando algo acontecer. Era uma entrevista com o compositor cujas músicas seriam tocadas no concerto do dia. A entrevista correu num estilo meio David Letterman/Jô Soares cult. Às vezes a platéia ria de alguma coisa, e eu não fazia noção do que estava acontecendo. De repente, o compositor levantou e foi em direção ao piano, pensei: “Oba, agora ele vai tocar, e eu vou entender alguma coisa.” O tiozinho chegou no piano e tocou uma tecla, chamando a atenção do público para o som. Depois colocou a mão dentro da caixa do piano, encostando o dedo na corda e provocando um harmônico, produzindo um som mais agudo com a mesma tecla do piano. Chamou novamente a atenção da platéia ao som produzido. Então, tocou uma outra tecla do piano, produzindo a mesma nota aguda que o harmônico da primeira tecla produzia. Virou o rosto com um sorriso triunfante para a platéia, que, por sua vez, deu risadas e bateu palmas. Eu saí.

Peguei minha câmera e fiquei tirando fotos do lugar. Tinha uma escultura do rosto de algum músico com um nariz curiosamente grande, um cara no bar com a cabeça perturbadoramente quadrada, uma mulher que tinha visivelmente arrastado a filha adolescente para o concerto, entre outras bizarrices. Finalmente a entrevista terminou e as pessoas começaram a entrar na sala de espetáculos. Entrei, peguei meu lugar e esperei, como todos.

Quanto ao espetáculo, crédito aos instrumentistas, que executaram umas peças bem difíceis. Mas as músicas não gostei muito. Muita pira pra pouco sentimento.

Depois do concerto, voltei pro albergue de metrô e dormi. O dia seguinte prometia!


*Ouvindo – “Big Brother e Ídolos da Alemanha passando na TV”

Na Alemanha 2 - Sachsenhausen

Segundo dia em Berlim. Conheci o brasileiro que estava no meu quarto. Ele já estava em Berlim há uns dias e conhecia um grupo que fazia passeios turísticos pela cidade. Ele me disse que faria um desses tours, o tour de Sachsenhausen, que era o campo de concentração nazista em Berlim, e me convidou pra ir também. Impossível perder uma oportunidade como essa.

Acordamos então às 9 da manhã. Às 11 o tour sairia do ponto de encontro, que era em frente ao Starbucks da Pariserplatz, em frente ao Portão de Brandenburgo. O grupo que organiza esses tours é fantástico! Se chama Sandeman’s NewEurope. Eles oferecem tours guiados em inglês e espanhol pelas principais cidades da Europa. Os guias são sempre jovens, geralmente recém formados e especializados em algum dos assuntos que tratam em seus tours. São sempre extremamente animados e teatrais. O tour básico pela cidade é grátis, basta chegar ao ponto de encontro, dizer que quer o Free Tour e eles vão te dar um papelzinho e pedir pra esperar que o guia chame em voz alta quando estiver saindo. Depois o guia pede gorjetas. Todos os guias, sem exceção, estão lá por prazer, gostam muito do que estão fazendo, e, assim, explicam cada detalhe e respondem cada pergunta com a maior empolgação.

Mas, enfim, já chega de propaganda da Sandeman’s. Chegamos lá no ponto de encontro, pagamos os 12 euros para o tour de Sachsenhausen e esperamos. O guia anunciou a saída de nosso tour. Pegamos o metrô, éramos umas 30 pessoas no tour em inglês e mais umas 20 no tour em espanhol. Depois de uns 40 minutos de metrô e mais uns 15 de ônibus, chegamos a Sachsenhausen. Na construção da entrada, um tipo de recepção, tinha um mapa do campo de concentração, onde paramos, o guia se apresentou e nos mostrou no mapa por onde passaríamos.

O guia merece um parágrafo. Adam, era seu nome. Nascido no sudeste dos Estados Unidos, ele se formou em história da Alemanha e mora em Berlim a 2 anos, trabalhando como guia da Sandeman’s. O jeito passional com o qual ele explicava cada detalhe era impressionante. A maneira que tinha de contar as curiosidades e fatos interessantes sobre a história do local me lembrou célebre historiador Pedro Ferrari, em seus contos de mesa de bar. E essa paixão por mostrar a todos a história deste local não era sem razão. Os pais de Adam são alemães intimamente ligados com a história do nazismo na segunda guerra. A família de seu pai era de oficias do exercito de Hitler, e a família de sua mãe era de alemães condenados pelo nazismo por subversão, e vários deles tem seus nomes no livro dos mortos de Sachsenhausen. Imaginem, então, a vontade com a qual Adam lidera esse tour.

Pois comecemos o tour. Contarei cada detalhe que lembro da visita, cada história e curiosidade contadas pelo guia. Sugiro que acompanhem o texto com as fotos do campo, que pus no Orkut.

Começamos acompanhando o lado externo de um dos muros do campo. Antes de entrarmos o guia nos parou em frente à antiga cozinha dos oficiais. Nesta cozinha trabalhavam os prisioneiros VIP’s, ou seja, aqueles que tinham habilidades especiais, como culinária. Esta era uma posição privilegiada para um prisioneiro, pois ele estaria o dia todo em contato com comida, e podia tentar eventualmente roubar um pedaço de pão ou carne.

Nesta mesma pausa, o guia explicou a diferença entre os dois tipos de campos de concentração. Existiam os campos de trabalho e os campos de extermínio. Os campos de extermínio, como o famoso Auschwitz, tinham como objetivo somente de matar os prisioneiros. Os campos de trabalho, como Sachsenhausen, serviam como uma indústria nazista de trabalho escravo, onde os prisioneiros trabalhavam muito, de graça e praticamente sem comida. É difícil de imaginar qual dos dois tipos é o mais cruel. No campo de extermínio os prisioneiros que chegavam eram exterminados após um curto período de sofrimento, por vezes no mesmo dia que chegavam, já no campo de trabalho os prisioneiros eram mantido vivos trabalhando em absurdo sofrimento e fome até eventualmente morrerem por maus tratos.

Entramos e estávamos na pequena vila dos oficiais da SS. Um belo bosque com altas arvore e casinhas bonitas. Lugar mantido assim, na época, para ajudar os oficiais a esquecerem o caos que viviam dentro do campo. Podiam botar tudo aquilo num cantinho empoeirado de suas memórias e deixar lá, fingindo que nada daquilo era real. A crueldade dos generais nazistas era absurda. Um dos generais que comandou Sachsenhausen por um tempo certo dia de inverno resolveu mandar todos os 39000 prisioneiros do campo saírem de seus alojamentos e ficarem em pé no pátio principal do campo. É inverno aqui, agora. Uns 30 cm de neve por todo o campo. Estávamos todos com muitos casacos, calças quentes, duas meias e botas de couro, e estávamos com frio. Imagine a sensação de um dos prisioneiros nesse frio ao longo de horas com nada além de um pijama listrado. O general ficou, então, lá do alto. Vendo os prisioneiros caírem no chão um por um.

Continuando a caminhada, saímos da vila nazista e atravessamos o portão que dava de fato acesso ao campo. No portão de metal liam-se as famosas palavras: “Arbeit Macht Frei”, ou seja: “O Trabalho Liberta”. Pra lá do portão, os prisioneiros perdiam a individualidade. Seus pertences eram todos tomados, seu cabelo raspado e lhes eram dados pijamas listrados e um par de botas. Cada pijama tinha um triângulo no peito que identificava o motivo pelo qual o prisioneiro estava ali. Triângulo amarelo, judeu; triângulo rosa, homossexual; triângulo vermelho, soviético, e por aí vai. As botas eram de um tamanho aleatório, inedpendente do tamanho do pé do prisioneiro. Se o prisioneiro calçava 42, tinha uma bota 38 e tentasse trocar sua bota com alguém que tinha seu número ele era punido com execução pública.

Acima do portão de entrada se situava a Torre A, chamada assim por ser o ponto de chegada dos prisioneiros, sendo o ‘A’ a primeira letra do alfabeto. Todo o acampamento é disposto em função desta torre. Ela é o centro de um círculo e os alojamentos eram dispostos na direção radial deste círculo. Assim, de um só ponto era possível monitorar absolutamente toda a extensão do campo, cada corredor entre alojamentos estava sob o olhar vigilante de um oficial da SS. No topo dessa torre originalmente estava instalada uma metralhadora. Em seus 9 anos de funcionamento, o campo de Sachsenhausen nunca registrou uma só fuga, e a metralhadora da Torre A nunca disparou um só tiro.

Em cima da Torre A ficava um relógio. Hoje em dia, neste lugar está um relógio pintado, marcando por volta das 11:07, horário no qual o campo foi tomado pelos soviéticos e ‘desativado’. Desativado entre aspas, pois os soviéticos continuaram a usá-lo, aprisionando nazistas e fazendo-os passar pelas mesmas crueldades que passavam os antigos prisioneiros.

Já dentro do campo viramos à direita em direção aos dois alojamentos ainda conservados. Ao longo do muro principal vimos as marcas da segurança extrema contra fugas. Estávamos a cerca de 10 metros do muro. A faixa de 5 metros à nossa frente era a chamada ‘Zona Neutra’, onde uma placa anunciava: “Neutrale Zone – Es wird ohne Anruf sofort scharf geschossen”, em português: “Zona Neutra - Tiros serão disparados sem aviso”. Depois dessa área, uma alta cerca de arame farpado estava à frente do muro de concreto. E, na frente desta cerca dois rolos de arame farpado, que tornavam quase impossível escalar a cerca, e, eliminando o ‘quase’, na frente destes rolos de arame uma linha de arame farpado estava a cerca de 15cm chão, quase impossível de se ver, principalmente à noite, e faria um possível fugitivo tropeçar e cair de cara nos rolos de arame logo à frente.

Esta Zona Neutra criou gerou um grande problema para os nazistas. É fácil imaginar que, sob as condições às quais eram submetidos os prisioneiros nesse campo, vários deles teriam tendências suicidas. Mas a grande maioria deles era extremamente religiosa, e considerava suicídio como um grave pecado. Mas, se pisassem na Zona Neutra e fossem baleados, não seria suicídio, então, como era de se esperar, alguns prisioneiros começaram a agir dessa maneira. Para resolver tal problema, os oficiais circularam um aviso por todo o campo, dizendo que, se algum prisioneiro adentrasse a Zona Neutra, seria baleado na perna, e seria levado à enfermaria onde teria seu sofrimento prolongado por dias ou semanas antes de morrer. Nunca mais nenhum prisioneiro pisou na Zona Neutra.

Seguimos nosso caminho para os alojamentos conservados. Os alojamentos tem paredes de madeira fina, e, é claro, não tinham sistema de aquecimento. Fazia muito frio. Em uma das extremidades da construção víamos marcas de um incêndio, resultado de um ataque neonazista em 1992. Paramos dentro do alojamento e o guia nos contou que o campo de Sachsenhausen tinha cerca de 40 campos satélite, onde os prisioneiros trabalhavam. Os proprietários desses campos eram grandes companhias alemãs, como a Siemens, Volkswagen e IBM. Esse passado é meio escondido hoje em dia, mas as empresas lucravam com o nazismo, utilizando o trabalho escravo. Acredito que, na época, a empresa poderia inclusive fazer disso um ponto positivo em suas propagandas, afinal, ela estava ajudando o Reich a ser bem sucedido em sua ‘limpeza’ mundial.

Em cada um desses alojamentos ficavam cerca de 300 pessoas. As salas para banho e os banheiros eram minúsculas, considerando a demanda, e tinham o acesso controlado por oficiais SS. No dormitório, vários beliches triplos, nos quais dormiam 6 pessoas ou mais, e todos brigavam pela cama de cima, por dois motivos: era mais quente e frequentemente pessoas morriam durante o sono, e fluidos escorriam para as camas de baixo.

Saímos do alojamento e fomos para a prisão de Sachsenhausen. Esta prisão servia para prisioneiros de guerra. Apesar de eu ter usado até agora a palavra ‘prisioneiros’ para aqueles que estavam dentro do campo, esta talvez não seja a melhor denominação, pois eram, de fato, trabalhadores. Os prisioneiros de Sachsenhausen eram aqueles que ficavam neste prédio pequeno, e não estavam lá para trabalhar, eram prisioneiros de guerra. Esta construção é composta de um estreito corredor que o atravessa e várias celas dos dois lados. Cada cela é bem pequena, e tem uma janela que originalmente era lacrada com caixas, deixando os prisioneiros desprovidos de luz solar. No pátio da prisão vêem-se três postes com uma haste de metal no topo, como um grande prego, colocado transversal ao poste. Este era um instrumento de tortura. Os prisioneiros tinham suas mãos atadas para trás, subiam em um banco, colocavam as mãos atadas sobre essa haste e o banco era retirado, deixando-os pendurados em uma posição nada confortável. Os oficiais da SS então davam chicotadas – ou mandavam outros prisioneiros darem as chicotadas - no prisioneiro pendurado enquanto este era forçado a contar os golpes, em alemão, e, se errasse a contagem, esta era reiniciada do zero. Sendo que muitos prisioneiros não falavam alemão, a contagem ficava presa entre zero e um até quando o oficial decidisse parar.

Um dos detentos ‘célebres’ dessa prisão foi o filho de Joseph Stalin, que era oficial das forças soviéticas e foi capturado pelos nazistas. Hitler tentou usá-lo como chantagem com Stalin, oferecendo trocá-lo por um dos generais de mais alto calão das forças soviéticas. Proposta não aceita por Stalin. Como disse o guia: “Joseph Stalin, senhoras e senhores”.

Saindo da prisão, fomos para o centro do campo: a cozinha. Este prédio foi transformado num pequeno museu. Alguns instrumentos utilizados no campo estão à mostra. Um pijama listrado, uma colher rudimentar feita por um dos internos, entre outros artefatos. Mais para o fundo do prédio encontra-se uma mesa com alguns bancos na frente e um grande livro parafusado à mesa e com páginas plastificadas. Este é o Livro dos Mortos de Sachsenhausen. Livro no qual estão registrados os cerca de 53000 nomes de pessoas que morreram no campo. Mais ainda ao fundo catorze computadores estão disponíveis, com fones de ouvido. Neles podemos assistir depoimentos de sobreviventes do campo de Sachsenhausen. Os depoimentos são chocantes. Eles falam, sobretudo, da fome. Um deles fala, com lágrimas nos olhos, que a fome doía, tanto quanto como um corte profundo na perna. Dizia que ele e seus companheiros chegavam a imaginar como seria cortar-se e comer suas próprias entranhas para se sentir saciado uma vez antes de morrer. Com uma dieta de em média 600kcal por dia, isso era o quão faminto estavam.

Saindo da cozinha, passamos pelo centro do campo, onde agora fica um grande e imponente monumento de concreto cinza com vários triângulos vermelhos no topo, representando os soviéticos mortos no campo. Esse é o memorial construído pelos soviéticos como memorial dos mortos nesse campo. Porém, não é o memorial oficial, pois homenageia somente os soviéticos.

Continuando a caminhada, atravessando o campo chegamos ao lugar chamado de Estação Z. A mesma analogia da Torre A é usada aqui, ‘Z’ sendo a última letra do alfabeto, esta estação era o ponto final dos prisioneiros no campo. Este era o lugar onde eram exterminados.

Atravessando um muro conseguimos ver q o caminho leva para uma trincheira, mas o que há nesta trincheira não é imediatamente visível, pois é necessária uma curva de 180° para chegar à rampa de acesso. Descendo esta rampa, lá no fundo não se vê nada além de uma parede de madeira. Esta parede é feita de troncos de madeira cortados e dispostos de tal maneira que suas seções transversais empilhadas são visíveis na parede. Este era o paredão de fuzilamento. Porém, este foi considerado pelos nazistas um método de extermínio ineficiente, pois assim que o prisioneiro era guiado pela rampa e via o paredão de madeira banhado de sangue, começava a implorar e chorar aos berros para o oficial não matá-lo. Olho no olho, a poucos centímetros de distância do oficial nazista o prisioneiro se ajoelhava e implorava por misericórdia. Esta proximidade com o prisioneiro fazia muitos dos oficiais esquecerem ‘que eles não estavam lidando com humanos’, e ficavam loucos, largavam o serviço às forças nazistas e muitos chegavam a suicidar-se. Assim, então, os nazistas aprenderam que o método perfeito de extermínio seria aquele com nenhum contato entre o oficial e o exterminado. O prédio principal da Estação Z foi construído então com este propósito. O caminho dos prisioneiros neste prédio era como segue:

Ele era trazido para este lado do campo com a desculpa de que passaria por um exame médico. Geralmente isso era feito com recém chegados, e um exame médico para estes faz perfeito sentido, eles não desconfiavam de nada. Entrando no prédio eram recepcionados por dois homens com jalecos brancos, reforçando a autenticidade do exame, mas estes eram, na realidade, oficiais da SS vestidos como médicos. Na sala seguinte, um desses ‘médicos’ fazia um rápido exame nos dentes, que na verdade tinha o objetivo de saber se ele tinha dentes de ouro. Se ele tivesse algum dente de ouro um ‘X’ era feito em sua mão. Ele então era levado para a próxima sala, onde sentava sozinho, ouvindo música clássica num volume ensurdecedor por algum tempo. Depois de um tempo, era levado para a sala seguinte onde um equipamento para medir altura estava instalado na parede. Ele era então guiado para esta parede e era posto com as costas em contato com o equipamento. Atrás dessa parede, através de uma fenda, estava um oficial da SS com um fuzil apontado para a nuca do prisioneiro. Aí acabava seu caminho. O resto do prédio era dividido em dois: uma sala onde os corpos eram acumulados para outros prisioneiros extraírem os dentes de ouro e o crematório para queimar os cadáveres. Chegavam a exterminar 300 pessoas por dia com este método, o processo era em série, então, enquanto um estava na sala de espera, outro estava sendo executado, por isso a música clássica tão alta. Além disso, as paredes da sala de extermínio eram duplas, isolando quase completamente o som do que lá dentro se passava. Os dentes de ouro deviam ser identificados antes do prisioneiro ser executado, pois depois sua boca estaria repleta de sangue, tornando difícil a identificação dos pequenos tesouros.

Próxima parada foi a enfermaria, que na verdade servia para falsas autópsias e depósito de cadáveres. Pela lei da época, se um prisioneiro morresse dentro de um campo de concentração, todas as suas possessões eram automaticamente transferidas pelo governo, mas, para isso, deveria existir um atestado de óbito. Então cada prisioneiro que morria era levado para a enfermaria, onde outro prisioneiro, sem nenhuma experiência médica, fazia um corte em ‘Y’ em seu tórax e abdômen, e escolhia a causa da morte. Exatamente, “escolhia”. Os oficiais davam uma lista com causas como ‘úlcera’, ‘hepatite’, ‘ataque cardíaco’... E o prisioneiro deveria escolher um destes, escrever um atestado de óbito, assinar e pronto. Com o tempo, os prisioneiros desenvolveram um código para que a causa real da morte fosse descoberta pelas famílias no futuro. Se o prisioneiro tinha sido morto por tiro, colocavam úlcera, se morreu de fome, colocavam hepatite, por exemplo. E assim, hoje em dia, algumas causas reais das mortes são conhecidas.

No andar de baixo da enfermaria era o porão onde armazenavam os cadáveres. Em alguns lugares com um defeito de nivelamento do chão de concreto, o sangue se acumulava e as manchas vermelhas são ainda hoje visíveis.

Saímos da enfermaria. O guia nos agradeceu e falou como achava importante essa visita que estamos fazendo e que só uma parcela minúscula dos turistas na Alemanha faz.

Eu não sou nenhum humanista fervoroso, nunca saí e nunca sairei gritando por aí sobre proteger a humanidade ou algo parecido. Mas o que vemos nas instalações do campo de concentração e o que ouvimos de suas histórias é algo muito inquietante. Algo que os humanos vem fazendo há milênios: tomar o controle de tudo que os cerca, julgando ser sábio o suficiente para saber quem deve morrer e quem deve viver. Nós, humanos, há muito tempo fazemos isto e continuamos a fazer. Não hesitamos em matar os animais ou vegetais que se colocam em nossa frente quando queremos expandir nosso domínio humano. As duas únicas diferenças entre o que cada um de nós faz e o que os nazistas faziam é (1) que eles o faziam explicitamente com outros seres humanos e (2) eles perderam a guerra, ficando vistos como vilões eternos da humanidade.

Mas pare e pense neste último parágrafo. Se achar baboseira, que os nazistas eram apenas malucos cruéis com cultura e comportamento completamente diferentes dos nossos atuais comportamentos e culturas, tudo bem. Mas se, por outro lado, começar a ficar louco, recomendo o livro ‘Ishmael’ do Daniel Quinn, para continuar enlouquecendo.



*Ouvindo – “Pink Floyd – The Wall”

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Na Alemanha 1 - 14 de Janeiro de 2010

Primeiro dia de viagem. Viajar sozinho é estranho. Uma sensação nova que ainda tenho que explorar um pouco mais pra conseguir descrever. Enquanto ando pelos lugares, pelos corredores do aeroporto ou metrô, me sinto pequeno, parte de um todo infinito, uma sensação de liberdade, mas ao mesmo tempo um tanto intimidadora. Tem suas várias vantagens e várias desvantagens. Mas já chega de introspecção, vamos aos acontecimentos.

Acordei, relutante, às 6 da manhã. Depois do ultimo checklist no quarto e alguns e-mails saí, às 7 da manhã. Deixei a chave do meu quarto com o Neil e zarpei da Puvis, em direção à estação. Ainda estava completamente escuro.

O trem partindo para Genebra, onde pegaria meu avião para Berlim, saiu às 8 da manhã. Viagem tranqüila, trem vazio, muita neve na paisagem lá fora. Chegando a Genebra, duas horas depois, peguei a passagem subterrânea que liga a estação ao ponto de ônibus, onde pegaria o ônibus 5 para o aeroporto. Essa passagem é uma pequena galeria, com algumas lojas, em uma das quais, é claro, comprei alguma quantidade de chocolate suíço, como não podia deixar de ser. Comprei meu ticket na parada de ônibus, e o marcador dizia que o ônibus estava previsto para chegar em 10 minutos.

Neste ponto é bom que seja criada uma imagem mental da minha figura andando pelas ruas. Só lembrando, aqui é inverno. E é frio. Então lá estava eu, com meu maior casaco, que me faz parece um boneco da Michelin, com minha mochila imensa de 10kg e com os bolsos do casaco lotados de coisas: passagens, passaportes, reserva de albergue, câmera fotográfica, carteira... Nada confortável. Nada bonito.

Cheguei ao aeroporto. Mais de 3 horas antes do horário previsto do meu vôo. Sentei na praça de alimentação, chamada de ‘Jardins de Genève’, e acessei a internet para mandar notícias e passar o tempo. Tempo passado, comi um sanduíche no Burger King e fui procurar meu portão para embarcar, isso uma hora antes do horário previsto para o meu vôo. O vôo, apesar de todos os problemas vistos ultimamente com nevascas, não atrasou para sair.

Uma coincidência! Na fila para embarque tinha uma menina atrás de mim com uma passagem que tinha preferência de embarcar, então eu ofereci pra ela, em francês, pra ela passar na minha frente. E ela respondeu que eu podia ir, dizendo: ‘sivuplé’, num inconfundível sotaque brasileiro. Perguntei, depois, se ela era brasileira, e era. Ficamos conversando durante o vôo. Ela é de Belo Horizonte , se chama Joana e está vindo para encontrar algumas amigas aqui em Berlin. Brasileiro é praga. Tem por todo lado. O Tom estava certo.

Em Berlim! O vôo não atrasou nem um minuto, por incrível que pareça. Saímos do aeroporto e fomos para a estação de metrô, onde deveríamos pegar um tal de ‘Airport Express’, que nos levaria rapidamente à estação central de Berlim. Mas esse trem não estava funcionando, então tivemos que pegar outro trem, lerdo. E ainda tínhamos que trocar de trem em uma estação. Seguimos uma mulher que também estava indo pra estação central. As estações são meio confusas. Muitas linhas se cruzando.

Enfim, chegamos, já de noite, à estação central – Hauptbahnnhof -, a Joana pegou um táxi para o albergue dela e eu fui procurar o tal do ônibus 245 direção ‘Zoologischergarten’ que iria me deixar perto do albergue. Cheguei à parada, e não tinha ninguém. Muita gente passando, mas ninguém parado esperando, um mau sinal. No mostrador digital dizia algo em alemão que não entendi, mas duas ou três palavras que reconheci não eram nada encorajadoras. Na mesma hora ouço duas pessoas passando atrás da parada falando francês. Um homem mais velho e um cara da minha idade, e (olha que surpresa!) o mais novo tinha o mesmo inconfundível sotaque brasileiro! Pedi ajuda ao senhor para ler o aviso em alemão, falando em francês. Ele me disse, então, que os ônibus estavam sendo desviados, e não estavam passando ali. Identifiquei-me como brasileiro pro cara e conversamos um pouco em português. Eles não sabiam onde pegar o ônibus.

Fui então, de volta para a estação para pedir informação. Antes de atravessar a rua, porém, percebi um cara parado na mesma parada que meu ônibus deveria passar, olhando para todos os lados, aparentemente tão desnorteado quanto eu, apesar de, como descobri mais tarde, ele morar em Berlim há 25 anos. Perguntei se ele falava inglês, e ele falava. Então conversamos, e vimos que procurávamos o mesmo ônibus. Ele então me ajudou, perguntando para o motorista de outro ônibus onde deveríamos pegar o 245. Ficamos conversando no ônibus. Como já haviam me dito, os berlinenses parecem ser muito simpáticos. Ele perguntou o que eu estava fazendo na Alemanha, o que eu estudava na França e por aí em diante. Descemos na mesma parada e nos separamos.

Depois de uma jornada de mais 12 horas enfim chegava ao albergue. O albergue, que é um pitoresco e bizarro espaço de Berlim, merece um post só para ele. Talvez depois.

Mas, enfim, fiz o check-in, aprendi a mexer na internet, e aqui estou eu, registrando meu primeiro dia de viagem. Morto de cansaço e louco pra dormir e conhecer a cidade amanhã.

*Ouvindo – “Richard Bona – Tiki”