quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mustaffa - Mais um parágrafo

Mustaffa conheceu o carnaval do Rio, de Salvador e de Fortaleza. Ele jura que sabe falar português, mas, na verdade, as únicas palavras que conhece são 'carnaval' e 'sambódromo'.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Mustaffa

De saída da aula, sozinho, passei no Carrefour. Fui comprar baguete.

Lá, passando pelos corredores, acabei por comprar uma caixa de sabão em pó, uma extensão elétrica, 4 litros de suco e algumas guloseimas mais. Na fila, imensa, esperava minha vez. Atrás de mim vi uma menina dando lugar na fila a um senhor, que carregava apenas uma baguete. Passado um tempo, percebi este senhor comentando algo com a garota, não ouvi bem, consegui apenas distinguir a palavra “Brésil” no meio da frase.

Passei minhas compras e, enquanto estava colocando tudo nas sacolas, o senhor registrou rapidamente sua baguete, pagou e, saindo antes de mim, acenou e comentou algo como “até mais, brasileiro”, em português. Olhei pra ele, com uma expressão de interrogação, e ele repetiu “você é brasileiro, não é?”, desta vez em francês. Respondi que era, e ele disse que tinha visto a etiqueta na minha mochila, dizendo que era de Brasília. Ele disse, então, orgulhoso de todo seu conhecimento sobre o Brasil, “c’est la capital!”.

Seu nome é Mustaffa. Um francês de origem algeriana que foi 4 vezes ao Brasil e o ama. Cara de peixe, olhos esbugalhados, um pouco careca, dentes muito amarelos e encavalados. Viajou ao Brasil 4 vezes pela Renault, não sei exatamente a razão, sei que ele é, de alguma forma, mecânico. Falou que foi à fabrica da Renault de Curitiba pouco depois de ser inaugurada, talvez estivesse lá para ensinar os operadores a lidar com as máquinas francesas.

Mustaffa tem orgulho do Brasil. Mais do que isso. Tem orgulho de tudo que conheceu e viu no Brasil. Conheceu Recife, Natal, Brasília, Curitiba e o Fernando Henrique Cardoso. Diz que o Brasil é um país sem preconceito, onde o povo é muito gentil e a natureza muito bela.

Mustaffa conheceu um Shaman de um tribo brasileira que mostrou pra ele como, na tribo, eles ensinavam as crianças a plantar uma pequena árvore toda vez que fosse necessário derrubar uma grande árvore. Como um operário francês da Renault conseguiu conhecer um Shaman no Brasil, eu não sei. Mas a história ele conta.

Mustaffa, no Brasil, viu um sapo do tamanho de um abacaxi - usou exatamente esta comparação. Meteu-lhe um chute e o matou. Vendo isso, uma velhinha lhe disse que não se deve fazer isso, porque o sapo come os mosquitos, que transmitem as doenças. Contou este história como quem ficou honrado por ter tido contato direto com tão rica sabedoria popular.

Mustaffa diz que no Brasil as pessoas, sobretudo as pobres, tem muita vontade de fazer as coisas, trabalhar, ao contrário da França. A razão, diz Mustaffa, é que, apesar dos dois países terem pobreza, existe uma diferença: na França os pobres tem assistência do governo, ganham dinheiro, isso os faz perder a vontade de trabalhar.

Mustaffa diz que, apesar da origem africana, pode se passar por um brasileiro, por ter a pele mais clara. Ele, no Brasil, foi ajudado por um brasileiro a atravessar a rua, cheio de malas. O brasileiro perguntou “você é brasileiro?”. Mustaffa, prontamente, respondeu “sim!”. O brasileiro, então: “E essa bandeira da França na sua mala, gringo?!”.

E assim seguiu-se o diálogo. O algeriano falando, orgulhoso, saudoso do Brasil. A conversa se prolongou por mais de uma hora, na rua, enquanto eu segurava duas pesadas sacolas de supermercado.

Após todas essas histórias, Mustaffa despediu-se desejando-me sucesso em meus estudos. Emergiu de suas memórias em solo brasileiro, encaixou a baguete debaixo do braço e foi-se.



*Ouvindo – ‘Mike Patton & Eyving Kang – Marriage of Days’

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Banheiro

O banheiro do andar fica em frente ao quarto 813, logo depois da porta do elevador. Para chegar ao meu quarto – o 801 –, vindo do banheiro, deve-se passar em frente de todos os quartos, do 813 ao 802.

Nele existem quatro cabines: duas com uma privada cada e outras duas com uma ducha cada. Comecemos pelas boas qualidades. As duchas são ótimas, água quente e fria sempre funcionando, permitindo sempre o alcance da temperatura desejada. O banheiro é lavado todo dia, pelas encarregadas da limpeza, então está sempre limpo.

Pronto. Agora, às dificuldades.

Na porta de cada uma das cabines de privadas lê-se o seguinte aviso: “Por motivos de higiene pedimos que leve seu lixo para a lixeira de seu quarto”. Logo entendi o porquê; abrindo a porta da cabine percebe-se que, lá dentro, encontra-se apenas a privada. Nada de lixeira. “Motivos de higiene”?!?! Quer dizer então que tenho que pegar meu papel higiênico, usado, sair do banheiro, diplomaticamente cumprimentar meu colega com um caloroso aperto de mão e, chegando ao quarto, jogar a sujeira no meu lixo? Higiene?!?!

É claro que a regra estabelecida por nós foi: o papel desce com a descarga e o aperto de mão deixa pra depois.

Mas um outro problema não tem solução tão simples. Analisando a cabine com um pouco mais de cuidado, percebe-se a ausência do essencial: o papel higiênico. Na verdade, cada um tem o seu papel higiênico, no quarto. Assim, somos forçados a identificarmos o objetivo de nossa visita ao banheiro, levando ou não seu próprio papel consigo. É como se cada um andasse com um crachá no peito: “Número 1” ou “Número 2”. Bom, né!

Isso abre a possibilidade do desenvolvimento de novas habilidades. Formas de esconder seu papel higiênico. Se sua visita for seguida de uma ducha, é fácil; uma toalha enrolada pode esconder muito mais do que um rolinho de papel. Tranquilo!

Se você for o sortudo que mora no 813, maravilha! Uma rápida e despretensiosa olhada no corredor e, se ninguém estiver por perto, em um pulo você está dentro da cabine.

Agora, se você mora no 801... Não tem jeito. Vai ter que usar o crachá...


*Ouvindo – ‘Esperanza Spalding – Esperanza’

Mais um Personagem - Woyten

O nome dele é Woyten.

Ele é um alemão que mora no 814. É físico, toca teclado há 15 anos, gosta de Jazz e não gosta de música eletrônica. Teve o privilégio de vir pra cá de carro, então trouxe tudo com ele. No quarto ele tem um teclado, um vídeo game e frigobar.

Ele toca violão, mas não trouxe seu violão pra cá. Como todo bom alemão, muito respeitoso, achou que aqui não era permitido tocar violão, pelo bem do sono alheio. Ele passa, portanto, horas a tocar seu teclado com fones de ouvido. Mas o destino, irônico, o colocou exatamente abaixo do apartamento 914, lar de um inglês com ‘dreads’ que gosta de ouvir música eletrônica. Sem fones de ouvido.

Woyten gosta de jogar baralho. Joga um jogo que, no Brasil, chamamos de ‘Presidente’, aqui eles chamam de ‘Trou-du-Cul’, nome cuja tradução não é das mais poéticas.

Ele não fala muito bem francês. Às vezes o diálogo com ele é difícil; quando eu percebo, estou olhando pra ele, esperando que termine a frase, mas ele já parou de falar, e eu não sei o que ele quis dizer. Quando ele está perto do Micha, o já citado alemão do 805, ele fala em alemão, e o primeiro, num protesto pacífico, responde sempre em francês.

Os brasileiros o chamam de ‘Vóitchen’, e ele não gosta. Hoje o vi no corredor falando seu nome, sílaba por sílaba, os olhos arregalados, para que a brasileira repetisse corretamente. Sem sucesso.

*Ouvindo – ‘Ella Fitzgerald & Louis Armstrong’

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Alguns dos Personagens da Puvis


Da esquerda pra direita:

1 - Terê: Mexicana lutadora de Taekwondo. Tem a língua presa, ou seja, fala um francês que não é dos mais fáceis de entender.

2 - Laura: Aquela mesma, do post anterior.

3 - Thales: Um cara bonito.

4 - Thamise.

5 - Anette: Pequena, e barulhenta!

6 - Neil.

7 - Eu.

8 - ?????: Uma das mexicanas...

9 - Micha: com seu chapeuzinho de Oktoberfest do 3º milênio.



*Ouvindo - 'Renaissance - Ashes Are Burning'

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Puvis de Chavannes - A Residência

A Puvis de Chavannes é uma Torre de Babel. Gente de todos os continentes no mesmo prédio. Os mais freqüentes são árabes e africanos. Muitos marroquinos, senegaleses e tunisianos. São os seguintes os habitantes do oitavo andar que já conhecemos:


  • 801: Eu;
  • 802: Thamise;
  • 803: Thales;
  • 804: Neil;
  • 805: Micha – um alemão, de Bremen, que estuda matemática e não gosta de se relacionar com os outros alemães do prédio, pois quer treinar seu francês. Muito gente boa. Joga um jogo bizarro chamado ‘Ultimate Frisbee’. Procure no YouTube pra ver do que se trata. É como futebol americano, mas, ao invés de uma bola, eles usam um fribee. Morreu de rir quando mostrei meus cursos de alemão e seus diálogos sem nexo. Mostrei pra ele as músicas da Marlene Dietrich que tenho no meu PC, e ele disse que nunca tinha ouvido. Ele ficou surpreso de ter conhecido Marlene Dietrich por meio de um brasileiro na França;
  • 806: Pedro – um mineiro de Uberlândia.
  • 807: Um espanhol com um nome esquisito demais para a minha memória. Gente boa também, mas não entendo uma palavra do francês dele. Não faz o menor esforço pra tirar o sotaque espanhol, então converso com ele mais em inglês.
  • 809: Alma – uma mexicana muito patriota e que gosta de Pink Floyd, Janis Joplin, The Doors, entre outros. Fez a maior barulheira no dia da independência do México aqui no andar junto com a outra mexicana;
  • 810: Anette – a outra mexicana. Deve ter a metade do peso da Alma, mas faz o dobro do barulho. As mexicanas são muito barulhentas.
  • 811 ao 813: Os cariocas que chegaram ontem - Só lembro o nome de um, Pedro. Tem mais um homem e uma mulher que eu não lembro os nomes. São muito simpáticos e são também bolsistas Brafitec.
  • 815: Cindy – uma bela de uma jovem francesa, de Grenoble. Está estudando administração aqui em Lyon. Sempre encontro ela na cozinha, fazendo alguma coisa com uns vegetais estranhos. Acho que ela é vegetariana. É muito simpática, sorridente e fala devagar, dá pra entender.

Tem mais alguns habitantes do andar que ainda não conheci. Mas os mais expressivos são estes.

Fora do nosso andar tem algumas figuras interessantes também:


  • Wajdi: É o tunisiano mais ‘Robert’ do mundo. Conheci ele quando estava pegando uns documentos na recepção. Comecei a ler alguns papéis quando ele chegou do meu lado e começou a ler também. Os meus papéis! Aí tinha umas coisas que eu não sabia o que significavam, então perguntei pra ele e ele me ajudava. Ele é muçulmano, e está fazendo o Ramadan, ou seja, um mês no qual ele não bebe nem come nada enquanto o sol não se põe, o que não acontece aqui antes das 9 da noite. Isso não dá pra ele o melhor hálito do mundo. Mas ele é simpático, e ajuda bastante a gente com o francês. E a gente já ensinou umas frases bem legais em português pra ele, também. Ele conta umas mentiras engraçadas às vezes. Um dia ele nos mostrou um vídeo de Drift na internet, daí ele disse “Ah! Eu já fiz isso também, só que com uma BMW!”. Outra vez ele foi conosco comprar nosso violão, na volta ele pegou o violão uma hora e mexeu nas cordas como uma pessoa que não sabe mesmo tocar, com a mão esquerda sem tocar nas cordas. O Thales então perguntou “Que música é essa?”, e ele disse “É uma música árabe. É do nosso time de futebol.” Tudo bem, né. Não vamos contrariar.
  • Jean-Luc: Um tiozinho barrigudo que é porteiro noturno da residência. Ele adora estrangeiros, e adora conversar com a gente. É torcedor roxo do Olympique Lyonnais, que é rival do Olympique de Marseille. Tem um brasileiro no Marseille que se chama Brandão, e ele fica rindo da minha cara, “Brandaô, Brandaô!”. Sempre que vê o Neil, fala “Salut, Martin!”, colocando os polegares na testa e balançando os outros dedos. Diz que faz isso porque tinha um filme francês dos anos 40 que tinha um esqueleto de uma casa mal-assombrada que fazia isso pra assustar as crianças, e como o sobrenome do Neil é “Martins”, ele encasquetou em falar “Salut, Martin!” pra ele o tempo todo. Como ele é porteiro noturno de uma residência como esta, ele sabe falar “Boa noite” em umas 5 línguas diferentes.
  • Hamza: Um marroquino que mora aqui e também trabalha na recepção. Ele é engenheiro de informática e acho que está fazendo mestrado ou está terminando o curso de engenharia, não sei bem. Ele tem cara de brasileiro e adora jogar pingue-pongue. Um dia ele chegou pra mim e disse “Qu’est-ce que se passe avec moi?”, algo como “O que está acontecendo comigo?”. Eu, sem entender, perguntei “Como assim?”, e ele disse: “Um amigo meu chegou pra mim e me disse que os brasileiros não gostam de mim? Eu sempre fui gentil com vocês, sempre cumprimentei vocês, por que vocês não gostam de mim?”. Sem entender o que estava acontecendo eu disse que não era verdade, que a gente gostava dele sim, que ele era mesmo muito simpático sempre. Daí ele deu um sorriso, ficou feliz e ficou tudo bem. Gente estranha aqui!
  • Laura: uma francesa que acha que é chilena porque morou a vida toda no Chile. Ela fez amizade com as mexicanas, porque ela fala espanhol. Ela é fresca e tem medo do Wajdi. Não sei por que, mas ela sempre sai correndo quando o Wajdi se aproxima.

Mais personalidades aparecerão. E mais histórias com estas já apresentadas virão.



*Ouvindo: ‘The Tangent – A Place In The Queue’

A Segunda Semana – “A Chegada dos Amigos”

Até agora, desde o primeiro dia estava comigo apenas a Thamise de Brasília. O Thales e o Neil ainda não tinham chegado, por complicações com a CAPES.


Na terça-feira, depois da minha primeira noite na Puvis de Chavannes, acordei cedo para ir a uma palestra de volta às aulas na ISTIL. Fui tomar banho. Estava tomando banho quando ouço uma voz meio conhecida dentro do banheiro “André!”. Era o Thales! Ele tinha chegado no dia anterior, com as rodinhas de sua mala quebradas foi ao albergue da juventude, mas estava lotado. Então ele passou a noite em um hotel de 70 euros, e na manhã seguinte ele saiu do hotel, sem a mala, e veio para o Puvis nos procurar para ajudarmos a trazer as malas pra cá. Por sorte tinha acordado mais cedo, e ainda dava tempo de buscar a mala dele antes de irmos à palestra. Foi chato trazer uma mala de 34 kilos sem rodinha pelo metrô e tramway até aqui, mas conseguimos!


Quando fomos procurar o Monsieur Didier Leonard encontramos mais 5 brasileiros de São Paulo que tinham acabado de chegar, cheios de malas. Passamos o dia percorrendo as mesmas burocracias do dia anterior, só que, desta vez, com o Thales e os paulistas.


O Neil estava marcado para chegar neste mesmo dia, terça-feira. Mas não chegou. Quando consegui checar meus e-mails vi que ele chegaria só de noite, por um atraso do vôo. O e-mail disse que chegaria em torno das 21:00 horas e iria direto pra Puvis. Fiquei então na porta da residência esperando tinham alguns franceses também ali, esperando alguém descer. Começou a chover e nada. O segurança da residência, lá pelas 22:20, disse que eu não podia ficar ali na frente. Subi, e olhava lá embaixo de vez em quando para ver se via alguém chegando. Alguns minutos depois que cheguei ao meu quarto vi os franceses indo embora lá de baixo. No meu quarto fiquei ouvindo música e desfazendo minha mala. Por volta das 23:30 chega o Neil aqui no oitavo andar. Com uma cara de destruído! Só com uma mochila nas costas!


Depois de rir da cara dele, eu ouvi o que tinha acontecido. Ele disse que chegou lá embaixo e viu os franceses esperando alguém, ou seja, tinha chagado poucos minutos depois de eu subir. O segurança, burro, não conseguiu encontrar meu nome na lista, e não pode dizer em qual apartamento eu estava. Então ele foi de andar por andar batendo nas portas e perguntando se conhecia algum brasileiro. Até que, muito tempo depois, achou nosso quarto. E além de tudo isso, suas bagagens estavam em Lisboa.


História pra contar pros netos.



*Ouvindo: ‘Take 6 – The Standard’

A Segunda Semana – “Essa é minha casa, então...”

No primeiro dia resolvendo nossas coisas aqui na universidade já tivemos contato com a famosa burocracia francesa. Para conseguirmos nossa carteirinha na universidade era necessário um documento de seguro habitação do banco, mas para ter esse documento pediam nosso endereço, mas para conseguirmos a residência precisávamos deste mesmo documento do seguro e da carteirinha da universidade. Ou seja, o ciclo se fecha e ninguém faz nada! A burocracia é tanta que você nunca consegue fazer nada entregando todos os documentos. Alguém sempre tem que abrir uma exceção pra que você possa entregar algum documento mais tarde.


Mas, no fim do dia, tinha minha chave, meu quarto com minhas prateleiras que em pouco tempo já haviam substituído minha mala que, por sua vez, foi esquecida, guardada em cima do armário. Tomei um banho em um chuveiro de verdade, com água quente e contínua. Olhei pro meu quarto e pensei: “Essa é minha casa, então...”



*Ouvindo: ‘Take 6 – The Standard’

A Primeira Semana

Quando cheguei, a residência universitária na qual iria me instalar definitivamente, a Puvis de Chavannes, não estava aberta. Eu tinha, então, uma reserva no Albergue da Juventude de Lyon para os primeiros seis dias. Nessa primeira semana planejava abrir uma conta bancária, comprar um celular, talvez visitar a faculdade e conhecer a cidade. Imaginei, ainda no Brasil, que esta semana seria mesmo necessária para resolver algumas coisas, afinal a complicação da burocracia francesa é famosa! Não tinha idéia do quanto...

No primeiro dia andei bastante por pontos turísticos da cidade junto com o Arthur, aluno também da UnB bolsista da última Brafitec. Quando voltei pro albergue, me bateu a realidade que estava 'sozinho' na Europa, num quarto com mais 5 pessoas que eu não conhecia e que minha casa era uma mala de 30 kilos que eu mal podia abrir dentro do quarto e, quando saía, tinha que trancá-la com 3 cadeados. Isso me deu uma sensação bizarra por uns 4 ou 5 dias. Mas passou.

O saguão do albergue tinha um cheiro esquisito. Um cheiro de comida queimada, por que a cozinha era no saguão, misturado com roupa suja, porque a lavanderia era no saguão, misturado com cheiro de muita gente, porque tinha sempre gente de pelo menos 4 continentes no saguão.

A ducha do albergue!!! Meu primeiro contato com o "mito" do 'francês-não-toma-banho'. Aliás, "mito" não é a melhor expressão pra este caso. Mais tarde contarei mais. Enfim, a ducha do albergue, no meu quarto, era um cubículo com pouco mais de 1m² com uma cortininha de plástico e uma ducha. OK! Eu olhei pra ducha e pensei: "Beleza! Vou tomar banho." Apertei um botão que tinha em um cano que se conectava à ducha. A ducha me solta um jato frio e tão forte que deixava a pele vermelha, mas eu pensei: "Bom, pelo menos vem muita água, né..." Me virei comecei a molhar o cabelo e de repente a ducha pára! EXCELENTE!
O botão que eu tinha apertado era como aquelas válvulas de fechamento automático das torneiras de banheiros públicos. Para tomar um banho decente era necessário sacrificar um de meus braços de cada vez, apertando continuamente o botão. Maravilha, né! Neste ponto eu estava achando o albergue uma "beleeza"! Imagine.

Quando saí do banho encontrei dois australianos no quarto, até entao estava sozinho no quarto. Um de Sidney, seu nome era Lockland, e outro de Melbourne, se chamava Tom. Conversamos um pouco e eu fui dormir.

No outro dia acordei cedo pro café-da-manhã do albergue, achando que valeria a pena. Engano! De fato o que salvava era uma máquina de café que você podia pegar o que quisesse, mas os comestíveis eram um desastre! Tinha pão, duro, borrachudo e ruim. Tinha cereal, uns negócios de milho que ao mesmo tempo não tinham gosto e eram muito ruins. Não sei como, mas tinha um canadense que comia estes cereias com água (ÁGUA AO INVÉS DE LEITE!!) e ficava contando piadas sem graça pra quem estivesse na mesa. Uma beleza.

Como o fuso-horário não me deixava com disposição para fazer nada, de tarde fiquei na internet no saguão do albergue, que tinha rede Wi-Fi grátis. Então, de uma hora pra outra, a rede caiu. E eu não tinha mais como conversar nem mandar notícias pro Brasil. A luta pela internet continuou até de madrugada. Conheci, no mezanino do albergue algumas outras pessoas desesperadas por internet. Uma alemã chamada Lisa, um britânico, uma mexicana e uma cearense, chamada Raquel! Brasileiros estão por toda a parte aqui em Lyon. O Tom, australiano do meu quarto, costumava dizer, com cara de assustado: "Brazilians EVERYWHERE!".

Nessa noite dormi melhor, porque percebi o que tinha de legal em uma experiência como essa. Conhecer pessoas, falar em três idiomas com uma mesma pessoa, misturar os idiomas e culturas na cabeça. Isso que vale a pena.

Nos demais dias do albergue tudo correu normalmente. Todo dia fazíamos alguma coisa, os brasileiros e os australianos. Abri minha conta, com um pouco de problema com o endereço, pois eu estava morando em um albergue da juventude, mas no fim tudo fica tranquilo.

A última noite do albergue foi de dar saudade. Era domingo, então todos os supermercados normais fecharam (francês não gosta de trabalhar), só encontramos um mercado oriental pra comprar comida, então nosso jantar não foi muito típico. Equanto estávamos esperando a cozinha esvaziar, chegaram duas alemãs do nosso lado perguntando de onde éramos, depois descobrimos que ela reconheceu o português que falávamos, porque uma delas tinha morado um tempo no Brasil, em Belo Horizonte, e amava o Brasil. No fim das contas já tinhamos formado uma roda enorme com gente da Alemanha, Austrália, Escócia, Canadá, Brasil, África e Índia comendo comida oriental! Gente dos 5 continentes numa mesma roda conversando em 4 línguas diferentes.

Fantástico! O canadense, Françoois era o mais louco, mas um louco que fazia todo sentido. Ele era novo, tinha 19 anos, ou algo assim, tinha um problema de dicção bizarro, que misturava com o sotaque de canadense no seu francês, deixando ele ainda mais esquisito. Quando perguntaram "por que você está viajando por aqui?" ele disse: "Ah! Eu quero viajar pela França, conhecer cidades pequenas, trabalhar colhendo uvas em algum lugar! Quero fazer isso enquanto ainda sou novo. Quando você é velho as pessoas tem medo de você, você não consegue conhecer pessoas em um albergue como estou conhecendo agora." Achei fantástico!

Enfim, essa noite foi a despedida perfeita do albergue.

No dia seguinte acordei e vim para a universidade encontrar o Monsieur Didier Leonard, que nos encaminharia para os procedimentos para conseguirmos nossa morada definitiva. Mas iso é assunto para o próximo post.

*Ouvindo "Al Jarreau - Best Of Al Jarreau"*


Começo este Blog

Começo este blog no segundo dia da quarta semana que estou na França. E o faço com a esperança de escrever aqui algumas das coisas que aconteceram e acontecerão durente o ano que estarei aqui em Lyon.

Pra quê? Para os que estão no Brasil e querem saber as coisas que acontecem aqui e, sobretudo, para que as histórias que se formarem aqui, quando minha memória não mais as portarem, não se percam.