terça-feira, 29 de setembro de 2009

Mustaffa

De saída da aula, sozinho, passei no Carrefour. Fui comprar baguete.

Lá, passando pelos corredores, acabei por comprar uma caixa de sabão em pó, uma extensão elétrica, 4 litros de suco e algumas guloseimas mais. Na fila, imensa, esperava minha vez. Atrás de mim vi uma menina dando lugar na fila a um senhor, que carregava apenas uma baguete. Passado um tempo, percebi este senhor comentando algo com a garota, não ouvi bem, consegui apenas distinguir a palavra “Brésil” no meio da frase.

Passei minhas compras e, enquanto estava colocando tudo nas sacolas, o senhor registrou rapidamente sua baguete, pagou e, saindo antes de mim, acenou e comentou algo como “até mais, brasileiro”, em português. Olhei pra ele, com uma expressão de interrogação, e ele repetiu “você é brasileiro, não é?”, desta vez em francês. Respondi que era, e ele disse que tinha visto a etiqueta na minha mochila, dizendo que era de Brasília. Ele disse, então, orgulhoso de todo seu conhecimento sobre o Brasil, “c’est la capital!”.

Seu nome é Mustaffa. Um francês de origem algeriana que foi 4 vezes ao Brasil e o ama. Cara de peixe, olhos esbugalhados, um pouco careca, dentes muito amarelos e encavalados. Viajou ao Brasil 4 vezes pela Renault, não sei exatamente a razão, sei que ele é, de alguma forma, mecânico. Falou que foi à fabrica da Renault de Curitiba pouco depois de ser inaugurada, talvez estivesse lá para ensinar os operadores a lidar com as máquinas francesas.

Mustaffa tem orgulho do Brasil. Mais do que isso. Tem orgulho de tudo que conheceu e viu no Brasil. Conheceu Recife, Natal, Brasília, Curitiba e o Fernando Henrique Cardoso. Diz que o Brasil é um país sem preconceito, onde o povo é muito gentil e a natureza muito bela.

Mustaffa conheceu um Shaman de um tribo brasileira que mostrou pra ele como, na tribo, eles ensinavam as crianças a plantar uma pequena árvore toda vez que fosse necessário derrubar uma grande árvore. Como um operário francês da Renault conseguiu conhecer um Shaman no Brasil, eu não sei. Mas a história ele conta.

Mustaffa, no Brasil, viu um sapo do tamanho de um abacaxi - usou exatamente esta comparação. Meteu-lhe um chute e o matou. Vendo isso, uma velhinha lhe disse que não se deve fazer isso, porque o sapo come os mosquitos, que transmitem as doenças. Contou este história como quem ficou honrado por ter tido contato direto com tão rica sabedoria popular.

Mustaffa diz que no Brasil as pessoas, sobretudo as pobres, tem muita vontade de fazer as coisas, trabalhar, ao contrário da França. A razão, diz Mustaffa, é que, apesar dos dois países terem pobreza, existe uma diferença: na França os pobres tem assistência do governo, ganham dinheiro, isso os faz perder a vontade de trabalhar.

Mustaffa diz que, apesar da origem africana, pode se passar por um brasileiro, por ter a pele mais clara. Ele, no Brasil, foi ajudado por um brasileiro a atravessar a rua, cheio de malas. O brasileiro perguntou “você é brasileiro?”. Mustaffa, prontamente, respondeu “sim!”. O brasileiro, então: “E essa bandeira da França na sua mala, gringo?!”.

E assim seguiu-se o diálogo. O algeriano falando, orgulhoso, saudoso do Brasil. A conversa se prolongou por mais de uma hora, na rua, enquanto eu segurava duas pesadas sacolas de supermercado.

Após todas essas histórias, Mustaffa despediu-se desejando-me sucesso em meus estudos. Emergiu de suas memórias em solo brasileiro, encaixou a baguete debaixo do braço e foi-se.



*Ouvindo – ‘Mike Patton & Eyving Kang – Marriage of Days’

3 comentários:

  1. Espetacular...
    Deu vontade de conhecer o contador de histórias..
    Histórias do Brasil, na França.
    amei!

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  2. O véio conheceu o Shaman, tomou um cogumelo, pisou numa jaca e achou que tinha matado um sapo.

    CERTEZA.

    Interesante a parte sobre o assistencialismo, hein? Somos todos preguiçosos mesmo, não só no Brasil.

    Eu pensei em criticar vc por não ter pego nenhum contato com ele. Depois pensei que esse tipo de pessoa deve permanecer assim, na memória, no passado, pra, ao invés de decepcionar, tornar-se cada vez mais fascinante com o tempo.

    Parabéns, tô orgulhoso.
    =)

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  3. Certeza! O Shaman deixou o véio maluco!

    Exatamente! Concordo com tudo que vc disse, Matheus! O Mustaffa é a personificação de uma experiência. Não é meu amigo, nem sequer um conhecido, é uma história que eu tenho pra contar e lembrar, e vai continuar assim pra sempre, espero eu.

    Que bom que estão gostando! =D

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