Antes de falar sobre o último dia em Berlim, vou falar das pessoas que conheci no quarto. O primeiro que conheci foi o Tatsushi. Um japonês que mora na Alemanha estudando algo relacionado com história da cultura do Japão. Por que um japonês sai do Japão pra estudar na Alemanha sobre o Japão, eu não sei. Mas o cara era esquisito. Extremamente sistemático. Todo dia chegava no quarto lá pelas 6 da tarde, com exatamente 4 garrafas da famosa cerveja berlinense ‘Berliner Pilsner’, tirava o casaco, ficava só com uma blusa de lã preta, sentava no sofá, pegava sua meia preta, cuidadosamente enrolada e colocada no canto direito do sofá, calçava-a, colocava seu chinelinho japonês, pousava seu laptop no colo e ficava escrevendo e-mails e entornando as quatro garrafas de cerveja até de madrugada, quando desligava seu laptop, tirava o chinelinho, tirava a meia, dobrava-a, colocava-a no mesmo canto direito do sofá e ia dormir. Os três dias que estive lá o ritual foi exatamente o mesmo.
O outro companheiro de quarto era o brasileiro Philippe. Paulista estudante de administração. Está na Europa para estudar em Copenhagen. Antes de começarem suas aulas, está passeando pelos outros países. Baladeiro, diz que o melhor jeito de conhecer uma cidade é ir pra balada. Assim, dizia, você entra em contato com os nativos da cidade e vê o comportamento deles. Sai do mundo de turista. Interessante.
Vamos ao dia, então.
Meu último dia em Berlim. E não tinha conhecido NADA das coisas turísticas e wikipédicas da cidade. Só o Portão de Brandenburgo. Nos meus planos eu tinha deixado dois dias pra conhecer a cidade, o que já é pouco pra Berlim, mas a visita a Sachsenhausen, que era absolutamente imperdível, tomou um dia todo.
Tinha, agora apenas um dia – dia de inverno, que começa às 8:30 e termina às 16:30 – para conhecer o Jardim Zoológico de Berlim, que, aberto em 1844 e com mais de 15000 animais, é um dos mais antigos e maiores do mundo, e depois ainda conhecer o centro da cidade todo. Um dia, eu disse. Um dia.
Acordei às 8:00 e tomei banho, comi alguma coisa e fui pro Zoológico. Lá cheguei às 9:30. O Zoológico é fantástico! Mesmo no inverno, com 30cm de neve cobrindo tudo, você podia ver quase todos os animais. Todos ativos, andando, brincando, comendo; totalmente à vontade. Quase todas as espécies tem filhotes nas jaulas, o que mostra que os animais estão sendo capazes de se reproduzirem em cativeiro, ou seja, estão completamente à vontade no ambiente.
O urso panda rolava na neve segurando e mastigando um galho de bambu. Os ursos polares, alguns caminhavam pela neve e outros se deitavam preguiçosamente. Não sei qual deles era o tal do Knut, que virou celebridade mundial. Os únicos animais que me lembro que não estavam visíveis eram os elefantes e girafas, que não podem ficar nem na neve nem em pequenos ambientes fechados aquecidos. Os outros animais menores que não suportam frio ficam dentro de galerias, em jaulas grandes com uma parede de vidro. Dentro dessas galerias a temperatura e umidade são controladas, sempre que entrava em uma delas tinha que tirar os óculos, pois ficavam totalmente embaçados. A galeria dos primatas é fantástica. Muitos filhotes brincando, pulando e divertindo as crianças visitantes. Mas a melhor de todas as galerias era a dos hipopótamos. Um pequeno lago foi montado dentro de uma grande sala aquecida. Um dos lados desse lago é de vidro, podemos ver os hipopótamos nadando e brincando quando mergulham. Dois filhotes faziam a festa, pulavam da água, enchiam o saco dos maiores. Uma palhaçada.
Fiquei rodando no zoológico até as 11:30, e acho que vi metade de tudo que tem pra ver. Tinha que chegar ao Portão e Brandenburgo às 13:00, pra pegar o Free Tour da Sandeman’s e, antes disso, ainda queria passar na Alexanderplatz pra ver a Torre de TV e ainda tinha que comer alguma coisa. Saí do zoológico direto pra Alexanderplatz. Cheguei, olhei a Torre de TV, imensa com seus quase 380m, tirei umas fotos e já saí procurando um bom e velho Kebab. Catei um na própria estação do metrô, e já saí correndo, com o Kebab na mão - imagine a cena - pra pegar o metrô pro Portão de Brandenburgo.
Cheguei ao ponto de encontro da Sandeman’s, peguei meu ticket do Free Tour e esperei. Enquanto eu fui comprar um croissant de salsicha na padaria do lado – não, o Kebab não foi suficiente. A guia começou o tour, e, quando eu voltei, sai correndo atrás deles, mas ela ainda não tinha falado nada importante. Cheguei e ela começou a se apresentar. Se chamava Summer, era da Califórnia e estudou algo relacionado a arquitetura e artes da Europa, algo assim. Durante a graduação ela veio pra Berlin, ficou um dia e se apaixonou. Voltou pros EUA, pegou o diploma em uma segunda-feira e na terça-feira seguinte estava num avião indo pra Berlim. Ela lidera sozinha um dos principais tours da Sandeman’s em Berlim, chamado ‘Alternative City Tour’, que dá uma volta mostrando a cidade em termos de cultura e arte de rua.
Começamos o tour na Pariserplatz, onde temos as quatro coisas importantes listadas abaixo, seguidas das respectivas explicações dadas por Summer:
· O Portão de Brandenburgo – originalmente construído para representar a paz na cidade, e, assim, a mulher lá em cima foi batizada de Eirene, Deusa da Paz. Porém, quando Napoleão tomou a cidade, mandou tirar a estátua de lá e colocá-la no Louvre. Quando a Alemanha se restabeleceu, mandou trazer de volta a estátua, colocá-la no Portão e rebatizaram a mulher dos cavalos como ‘Victoria’, a Deusa da Vitória, e a Praça em frente ao portão se chama ‘Praça de Paris’, ou seja, como concluiu a guia, ‘Vitória sobre Paris’. E aí, Pedro? A história procede?
· A Embaixada dos EUA – bom, esse era importante porque a guia era americana.
· A Embaixada da França – cuja arquitetura que pode ser definida em uma palavra: feia. O andar de baixo é de pedra nua e sem acabamento, com pequenas janelinhas retangulares, parecendo um Bunker, no meio de Berlim. Sugestivo, né?
· O Adlon Hotel – o hotel mais luxuoso e caro de Berlin. Uma noite na suíte de luxo custa 12000 euros, e não inclui café da manhã, que custa 600 euros adicionais por dia. Foi neste hotel que o célebre e já falecido Rei do Pop agarrou seu filho e chacoalhou-o, carinhosamente, na janela.
Continuando o tour, passamos pelo Memorial aos Judeus Mortos na Europa. Um quarteirão ao lado do Portão de Brandenburgo cheio de blocos imensos de ardósia de 20 cm a 4.8 metros de altura que formam um labirinto quadriculado pelo qual você pode passear. Demorou mais de um ano para ser construído e custou 25 milhões de euros. Segundo a guia, o arquiteto que projetou o memorial, quando perguntado sobre o significado do monumento, disse que ele o projetou para significar o que quer que signifique pra quem andar entre suas imensas pedras. Pra mim, o memorial passou o sentimento de desespero, desesperança e confusão. Enquanto anda, o caminho a frente parece muito mais longo do que realmente é, assim como as pedras do seu lado parecem ter quilômetros de altura. Você se sente pequeno, insignificante e preso neste estado. Os cruzamentos entre caminhos te deixam confuso, e é impossível saber se tem alguém vindo no outro caminho até você chegar no cruzamento e esbarrar com a pessoa. Bizarro.
Depois seguimos para um estacionamento aparentemente normal, um pouco mais ao sul. Em volta viam-se apartamentos de luxo do lado socialista de Berlin, na época da Guerra Fria. Mas, embaixo dos nossos pés, estava o ‘Führerbunker’, o Bunker construído por Hitler para sua própria proteção. Onze metros abaixo da terra começa a parede de 3 metros de concreto do bunker. Quando os soviéticos tomaram Berlin eles tentaram destruir o bunker com bombas, mas, obviamente, a construção era à prova de bombas. Então eles fizeram buracos nas paredes e deixaram o solo pantanoso de Berlim encher o antigo recanto do Führer com terra pútrida para sempre. Apenas uma tímida placa com algumas informações lembra o local onde Hitler morreu. No mais, apenas um estacionamento como outro qualquer, a não ser pela peculiar preferência que os berlinenses tem de levar seus cachorros para passear neste local. Andar alí sem olhar para o chão pode ser meio perigoso.
Mais à frente passamos pelo antigo quartel general da força aérea nazista. Hoje o prédio exibe uma pintura do que chamavam, na época que este prédio estava do lado socialista de Berlin, de realismo socialista. Na verdade era propaganda comunista. Um imenso painel, com várias pessoas, todas da mesma altura, todas sorrindo. Um homem de terno e gravata cumprimentava, sorridente, um outro com roupas de trabalhador, e várias outras cenas que existiriam no estado socialista perfeito.
O resto do tour foi legal, mas nada demais. A guia falou de arquitetura, falou da queda do muro, passamos na frente de um pedaço conservado do Muro de Berlim, e por aí foi. Às 17:00 o tour acabou. Eu tinha combinado de encontrar o brasileiro que conheci no albergue no Portão de Brandenburgo a essa mesma hora pra irmos na Hooters, uma franquia americana de bar. Pois lá cheguei, e nada do cidadão chegar. Tinha reservado um lugar no cinema pela internet essa noite, mas não ia ao filme, porque tínhamos combinado a Hooters. Depois de meia hora esperando, resolvi ir pro cinema, que pelo menos fazia alguma coisa nessa noite. Peguei dois metrôs pra chegar lá. Entrei na fila. Quando faltava duas pessoas na minha frente meu celular toca. É o cara dizendo que tinha se perdido e por isso atrasou, mas tava lá no Portão já, me esperando. Peguei mais dois metrôs pra voltar pro Portão. Fomos à hooters, comemos um belo de um sanduíche e voltamos pro albergue, depois de um dos dias mais cansativos da minha vida, mas um dos mais bem aproveitados.
*Ouvindo – “Sufjan Stevens – The Barbeque”
Mto bem aproveitado seu dia...Por mais cansativo que tenha sido, essas histórias são parte de sua estrada, agora.
ResponderExcluire vc, pelo jeito, continua o mesmo: "Enquanto eu fui comprar um croissant de salsicha na padaria do lado – não, o Kebab não foi suficiente.".. hahahaha
adorei!
bjoo