terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Na Alemanha 5 – 17 de Janeiro de 2010

Depois da maratona dos últimos dias, somada a poucas horas diárias de sono, é imaginável o estado de exaustão que eu me encontrava nesse fim de estadia em Berlim. Como se não bastasse, tinha que acordar às 4 da manhã para conseguir pegar uns 10 metrôs até chegar a tempo no aeroporto para meu vôo pra Düsseldorf. Malditas empresas aéreas de baixo custo e seus aeroportos alternativos distantes.

Na noite anterior fui dormir por volta da meia noite, arrumando minha mochila e passando as fotos pro computador, o que se mostrou, depois, de imensa utilidade.

Acordei, pois, às 4 da manhã. Comi alguma coisa, mais dormindo do que acordado, e parti-me, com uma mochila de 10kg nas costas, para a estação de metrô mais próxima. A rua do albergue, com iluminação original a gás, exibia sua atmosfera sombria. Nenhum movimento, nem um ruído. Exatamente como sempre foi há décadas. Um clima medieval não muito amigável.

Depois de incontáveis trocas de metrô, cheguei ao aeroporto. Para entrar na sala de embarque tinha que colocar minha mochila naquela cesta de metal que checa o tamanho máximo da bagagem de mão. Etapa apreensiva, pois minha mochila tinha crescido consideravelmente, fruto de um pouco de compras e um bocado de desorganização. É impressionante a velocidade com que a entropia de uma mochila aumenta em uma viagem como essa. Mas tudo bem. Apertando, a mochila entrou.

Não lembro exatamente dos detalhes dos fatos passados desde o momento que entrei no avião até chegar ao albergue em Düsseldorf. Meu cansaço era tanto que, se não estava pesadamente adormecido, estava em estado profundo de ausência mental. Estava em outro lugar. Longe!

Sei que peguei o avião, cheguei a um aeroporto fantasma, com muita neve e neblina. Me senti no filme ‘Uma Fenda no Tempo’. Novamente amaldiçoei as empresas aéreas de baixo custo. Esperei algum tempo no aeroporto até sair o ônibus que ia a Dusseldorf, peguei este ônibus e, após o que me pareceram poucos minutos, mas na realidade foi de uma hora, estava na estação central de Dusseldorf. Deste ponto, sabia que deveria pegar um certo ônibus 725 para chegar ao albergue. Depois de sair andando de parada em parada de ônibus tentando descobrir onde pegava o ônibus, como comprava o bilhete e quanto tempo demoraria para ele chegar, desisti de tudo isso e peguei um táxi. Sabia mesmo que o albergue era bem perto e a corrida não ficaria cara. Entrei no Mercedão dum taxista que não falava inglês. Apontei o endereço do albergue no papel e falei ‘iá?!’, complementado com um simpático jóia com a outra mão. Ele entendeu. Algumas poucas frases de conversa no meio da viagem. Ele, não sei por que, achava quase óbvio que, sendo brasileiro, eu tinha família portuguesa e mostrou, orgulhoso, seu porta-moeda, segundo ele com patente portuguesa. Chegamos, paguei, desci e entrei no albergue. Louco por algumas horas de cama, entrei no albergue, mas a mulher da recepção estava limpando os quartos e eu tive que esperá-la no lobby.

Aí foi o momento em que acordei, e começo a me lembrar melhor dos acontecimentos. Coloquei as mãos nos bolsos do casaco, fazendo meu corriqueiro checklist das coisas que carrego.Luvas, passaporte, carteira, reserva do albergue, garrafa d’água, câm... Peraí. Cadê minha câmera. É sempre assim, alguns segundos de desespero até você explorar aquele outro bolso escondido e achar a câmera, e tudo fica bem. Já estava aliviado por antecipação, esperando este momento. Mas o ele não veio. A câmera não estava comigo. Em algum momento durante meu longo transe sonífero de Berlim a Dusseldorf ela tinha sumido.

Imediatamente fiquei aliviado por ter, na noite anterior, transferido todas as fotos para o computador. Mas o desespero continuava. Lembrei-me de ter tirado algumas fotos da decolagem do avião, então a câmera estava definitivamente em Dusseldorf, mas onde? Só pode ter sido no ônibus do aeroporto pra estação. Lembro de ter tirado o casaco e colocado no colo, fácil de cair algo do bolso. Peguei o ticket da viagem, vi o telefone de contato da empresa e liguei. O diálogo segue abaixo:

- Guten Tag. Achudia dcuid nuecipcoiud hcuuiopd – o atendente devia, julgando pela voz, ter uns 321 anos de idade e devia fumar desde os 8. O que disse depois do ‘Guten Tag’ foi indecifrável.

-Do you speak english? – perguntei, esperançoso.

-NEIN!

-Is there someone who speaks English?

-NEIN!

Ah, tá! Ok, então. Um abraço!

Arranhei ao máximo meu alemão macarrônico e ele entendeu que eu havia deixado minha câmera no ônibus que saiu do aeroporto de Weeze às 10:30 da manhã. Ele disse que o motorista ainda não havia chegado, mas quando chegasse ia procurar a câmera e ia me ligar. Passei meu telefone pro Matusalém do outro lado da linha e desliguei o telefone.

Fui ao meu computador, já utilizando o Wi-Fi do albergue, comecei a metralhar e-mail por todo meu trajeto sonâmbulo. Avisei o aeroporto de Weeze, que prontamente me respondeu que não havia nenhuma câmera no seu achados-e-perdidos. Avisei a desgraça da Ryanair, a tal empresa de baixo custo. Sem nenhum sucesso.

Finalmente a mulher da recepção terminou com os quartos e me levou à minha cama, onde deitei e fiquei na internet, mandando notícias pra casa e procurando mais pessoas que eu poderia encher o saco pra achar minha câmera. Um tempo depois meu telefone tocou, um número da Alemanha. Eu atendi feliz, achando que tinham achado minha câmera no ônibus. O diálogo segue abaixo:

-Alô! – Atendi em português mesmo, tô nem aí.

-Hallo! Im Bus gibt es keine Kamera! – ou seja, ‘No ônibus não tem nenhuma câmera’.

-Okay. Bye.

Bom, né? O único lugar onde eu ainda tinha esperanças de encontrar minha câmera me responde que não achou a câmera.

Lembrei, então, do taxista do porta-moeda português. Será que eu deixei cair na Mercedes do tiozinho? Quando pensei isso já tinham passados umas 3 horas desde quando chegara ao albergue. Como eu ia achar o taxista? Aproveitei que eu já estava com fome, fui comer alguma coisa perto da estação de trem, passaria no ponto e táxi pra ver se encontrava o tio. Era a última esperança.

Mesmo com meu cansaço falando que eu não sairia da cama, eu levantei e fui a pé até a estação. Cheguei lá e fui direto pro ponto e táxi. A fila de Mercedes estava lá no mesmo lugar. Saí andando procurando um velhinho de óculos, talvez sacudindo um porta-moeda do lado de fora da janela. No quinto táxi que olhei, lá estava! O tiozinho de óculos, com cara de tédio, esperando sua vez de pegar um passageiro. Cheguei na janela, demorou alguns segundos pra ele se lembrar de mim. Procuramos a câmera pelo carro todo... Nada.

Já conformado e de barriga cheia, voltei ao albergue. Tá beleza! Perdi a câmera, mas continuo aqui, na Alemanha, passeando. Só vou ter que dar um jeito de comprar uma outra câmera logo, pra continuar registrando a viagem.

Dormi às 19:00. Aliás. Não sei se ‘dormir’ é a palavra certa. Eu afundei na cama e sumi do mundo. Acordei 14 horas depois, no próximo post.

*Ouvindo – “Bobby McFerrin – Circle Songs”

3 comentários:

  1. sábias palavras: "Perdi a câmera, mas continuo aqui, na Alemanha, passeando"...
    e melhor: as fotos guardadas, para sempre, no seu pc!

    genial!! ri mto... como se estivesse vendo suas reações diante das trapalhadas.. kkk

    ansiosa pelo próximo.

    bjo

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  2. parabéns!! Está se virando bem. Siga em frente agora com a nova câmera. Sensacional todas suas historias. beijão filho

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  3. Devia ter atendido "SERVUS!"

    O cara ia levar uma câmera nova na hora pra você aí no hotel achando que vc era um bárbaro.

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